São Paulo, sábado, 30 de novembro de 1996
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José Saramago fala sobre novo projeto

RUI NOGUEIRA; DANIEL BRAMATTI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Escritor está em Brasília para participar como jurado de julgamento de crimes contra os sem-terra

Aconteceu o inevitável. Pela terceira vez consecutiva, um romance atravessou-se na criação de um livro e o escritor português José Saramago não teve outro remédio senão abandonar "O Livro das Tentações". No seu lugar, "no próximo outono", deve sair "Todos os Nomes".
Na frente de "O Livro das Tentações", uma obra de memória (e não de memórias) sobre a infância do escritor, em que ele começou a trabalhar em 94, já passaram "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" e "Ensaio sobre a Cegueira".
O novo romance nasceu de uma idéia surgida no momento em que ele aterrissava em Brasília, em janeiro passado, para receber o Prêmio Camões.
Recentemente, em um hotel nos EUA, "Todos os Nomes" ganhou a concepção desejada.
A seguir os principais trechos da entrevista concedida ontem em Brasília, depois de participar, como jurado, de um tribunal internacional simbólico que julgou e condenou os crimes contra os sem-terra em Eldorado do Carajás (PA) e Corumbiara (RO).
*
Folha - O senhor pode falar sobre "O Livro das Tentações"?
José Saramago - O livro pretende recuperar a memória da criança e do rapaz que fui até os 14 anos. Não é um livro de memórias, no sentido literal. Geralmente são escritas memórias de adultos, as memórias que se consideram importantes. Sobre isso não escreverei nunca. O que posso ter feito, sentido ou pensado na idade adulta está transposto em meus romances.
Mostrar aquilo de não muita importância, quem foi antes esse rapazinho ou esse escritor, esse é o objetivo do livro que se escreverá. Acontece que se meteu à frente a idéia de um novo romance, e o pobre "Livro das Tentações" mais uma vez teve de ficar na fila.
Folha - Como é o novo romance?
Saramago - Esse livro, ou pelo menos o título dele, nasceu aqui, quando vim receber o Prêmio Camões. O avião descia e, de repente, como uma espécie de flash súbito que ilumina e imediatamente vai embora, aparecem essas três palavras: "Todos os nomes". E ficou aí, durante meses, uma idéia que poderia dar em qualquer coisa.
Comecei por imaginar que seria o oposto do "Ensaio sobre a Cegueira", em que ninguém tem nome. Seria a ressurreição do nome, em contraposição à perda de identidade que se verifica no anterior.
Mas isso não me convenceu, não encontrei muita substância. Até que, em setembro, nos EUA, estava uma manhã na cama, pensando, e o conteúdo apareceu.
Folha - É um romance histórico?
Saramago - Neste momento, o que me interesse é falar para o maior número possível de pessoas. E uma maneira de conseguir isso é não me limitar a acontecimentos históricos determinados.
Há também uma razão para que nesse livro, que se chama "Todos os Nomes", apenas uma personagem tenha nome. Chama-se José, e não é porque José seja meu nome. É porque, procurando um nome insignificante, achei que insignificante era o meu próprio.
Folha - José será o personagem principal ou haverá uma mulher ocupando esse espaço?
Saramago - Há sempre uma mulher. E não digo mais.
Folha - Nos últimos tempos o sr. tem manifestado mais interesse pela questão dos sem-terra. Por que o sr. se engaja nessa questão?
Saramago - Não há nenhuma mudança em meu comportamento cívico. Se uma pessoa, com o tempo, se torna mais conhecida, ações que antes ficavam circunscritas a um lugar e a um tempo ganham outra dimensão.
Folha - O sr. finalmente vai permitir a filmagem de uma obra sua?
Saramago - Não quero ver a cara das minhas personagens. Há, entretanto, uma professora húngara que se apaixonou pelo livro "Jangada de Pedra". E ela lutou muito até me levar à assinatura de um contrato, a partir do qual pode vir a ser feita uma adaptação para o cinema. Faço votos que ela não encontre um produtor.

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