São Paulo, segunda-feira, 2 de dezembro de 1996
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O provão não é avaliação

ANA MERCÊS BAHIA BOCK

O principal argumento utilizado em defesa do provão do MEC tem sido a necessidade de avaliar nossas universidades.
Qualquer pessoa de bom senso, dentro ou fora da universidade, jamais se oporá a essa intenção. A avaliação da qualidade de nossas instituições de ensino superior tornou-se hoje não só necessária como urgente.
Entretanto, a redução da avaliação das universidades ao provão trará como consequência um retrocesso nas concepções e formas de ensinar. Pela repercussão direta sobre as formas de ensino que uma medida dessa acarreta, não se pode adotar um mecanismo qualquer de avaliação sem o necessário debate com a sociedade, aí incluída a comunidade acadêmica (alunos e professores).
É preciso que se perceba que medidas governamentais desse porte têm interferência rápida na organização das escolas e em suas maneiras de ensinar. É preciso que se abandonem análises simplistas, que pensam medidas como varinhas de condão e que, em um único toque, atingem apenas a parte da realidade que interessa, transformando-as na direção das intenções de quem as usa.
Melhor qualificar a formação universitária tem sido um constante desafio para os educadores. No entanto, a qualificação do ensino está relacionada a uma série de aspectos, tais como as demandas do mercado, as políticas públicas que geram novas formas de trabalho e exigem da universidade novos tipos de conhecimentos e de habilitação, o nível de desenvolvimento cognitivo que nossos jovens apresentam ao ingressarem na universidade, os preços dos livros, o incentivo à pesquisa e à produção de conhecimentos, o salário e condições de trabalho na educação, o poder aquisitivo dos alunos. Aspectos que não podem deixar de ser considerados no momento em que se elabora um sistema de avaliação.
Com todos esses fatores de influência, o MEC escolheu avaliar apenas um: se o ensino que as universidades têm transmitido aumenta a capacidade de retenção de informações dos alunos.
As boas universidades estão buscando ultrapassar esse tipo de ensino, com uma educação baseada na capacidade de criar novos saberes, formando profissionais que enfrentem criticamente a realidade, produzindo novas formas de atuação profissional.
O provão, com sua concepção, poderá fazer nosso ensino retroceder para formas tradicionais, onde a memorização do saber é o aspecto fundamental do sucesso acadêmico: saber, como retenção de informações, para poder provar que sabe. Essa é a concepção subjacente ao provão.
A perversidade dessa concepção está no fato de que reforçará uma educação "bancária", em que professores -vistos como donos do conhecimento- depositam informações na mente de seus alunos, para que ali elas permaneçam até que um dia possam lhes ser úteis.

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