São Paulo, segunda-feira, 2 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

João-bobo

JOÃO SAYAD

O remédio que está sendo aplicado à economia brasileira é eficaz, mas amargo, com efeitos colaterais e passível de rejeição.
O remédio funciona assim: taxas de juros altas atraem capital financeiro, que é comprado pelo Banco Central. Os dólares são necessários para pagar o excesso de importações sobre exportações e os juros dos empréstimos estrangeiros devidos por brasileiros.
O Banco Central compra os dólares, que rendem 6% ao ano, e se financia com dívida pública, a 20% ao ano. A diferença é déficit público e tem de ser paga algum dia por impostos.
Sem essa política, os juros tenderiam a decrescer para níveis iguais aos que o Brasil paga no exterior -mais ou menos 9%. Mas o Banco Central impede que caiam, pois, se caíssem, não entrariam dólares. Entram mais dólares, mas o Banco Central, novamente, vende títulos públicos e impede que os juros caiam.
O movimento é análogo ao movimento de um joão-bobo quando recebe um soco. Balança e volta à posição original. A política monetária continua dando socos para que os juros permaneçam altos.
Apesar disso, o governo havia previsto (e todos esperavam) que a utilização do remédio seria por pouco tempo. Esperávamos todos que, no segundo semestre de 1996, pudéssemos suspender o tratamento.
Se inflação menor e crescimento mais lento resultasse em menos importações e déficit comercial menor, menos dólares seriam necessários, as taxas de juros poderiam cair mais rapidamente e o déficit público poderia ser menor. Eram as previsões do início do ano.
A surpresa dos déficits comerciais dos últimos três meses nos obriga a continuar por mais tempo com o mesmo remédio e os mesmos efeitos colaterais: déficit público, juros altos e dúvidas sobre o futuro.
Por isso, é difícil falar sobre a situação atual da economia brasileira.
A leitura dos relatórios sobre nível de atividade e emprego ilustra bem a situação: a produção industrial está aumentando, quando comparada com os meses anteriores (mas pode ser o Natal) ou quando comparada ao último trimestre de 1995 (mas foi um ano fraco).
A taxa de crescimento do trimestre é alta, mas se espera uma redução.
O desemprego está se reduzindo, mas é maior do que no ano passado. O emprego está aumentando, mas no mercado informal. As vendas de bens de consumo estão altas, mas caindo. O crédito ao consumidor cresce, mas existe o receio de medidas de contenção que o governo venha a estabelecer.
O mercado financeiro está calmo, mas preocupado com o déficit comercial. A aprovação da emenda de reeleição inspira confiança nos estrangeiros e ajuda a torná-lo financiável por mais tempo. Mas, depois das eleições, podem vir correções no câmbio.
Os empresários estão propondo novos investimentos, mas preferem esperar informações mais claras sobre o déficit comercial e a forma de controlá-lo.
A administração da política econômica também sofre conjunções adversativas. A obsessão com o déficit público, decorrente do remédio de juros altos, acaba tirando o sentido de direção das medidas do governo.
A nova política agrícola prometia coisas muito boas, mas a falta de liberação pontual de créditos pode torná-la inefetiva, e a safra estimada é modesta.
O BNDES se propõe a ajudar as empresas brasileiras oferecendo empréstimos à Taxa de Juros de Longo Prazo, a famosa TJLP. Mas, no labirinto dos conflitos burocráticos, a TJLP ficou bem maior do que as taxas de juros internacionais. Pior do que isso: ninguém sabe como ela é calculada e, portanto, ninguém é capaz de reduzir os riscos e flutuações dessa taxa.
O governo editou uma medida provisória isentando as exportações do Cofins, imposto em cascata. Excelente idéia, que combina com a isenção do ICMS aprovada há poucos meses. Mas até hoje, um ano e oito meses depois, mesmo com déficits comerciais elevados, a isenção não foi regulamentada.
Muito mais tempo desse remédio vai nos obrigar a outros tratamentos. Talvez o câmbio tenha que ser alterado, com efeitos colaterais sobre a inflação.
Um tarólogo prevê que o câmbio mudará em março. Se acertar, será o mais procurado dos economistas do setor financeiro. Se errar, continuará tarólogo. Não faz muita diferença.

Texto Anterior: Parceria no seguro; Multiplicando apólices; Mudança radical; Fazendo a lição; Rumo a Havana; Dança de cifrões; Bola de lucro; Como sobreviver; Perseguição implacável; Novidade contínua; Na guerra das colas; Caso de interesse; Entre holandesas; Assumindo a liderança; Conhecimento de causa
Próximo Texto: Reforma agrária: uma solução iníqua
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.