São Paulo, segunda-feira, 2 de dezembro de 1996
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Reforma agrária: uma solução iníqua

JOSÉ LUIS DOS SANTOS RUFINO

A proposta brasileira de reforma agrária é um blefe. Os trabalhadores rurais sem terra têm exigido a posse da terra, para que possam trabalhar, produzir e prosperar. Em resposta, a política brasileira de reforma agrária dá-lhes aquilo que, literalmente, é solicitado: glebas de terra.
Embora pareça paradoxal, a iniquidade da solução está justamente em atender a essa demanda nos moldes em que é formulada, sem uma análise detalhada de seu real significado. Seria necessário decodificar com exatidão o que está sendo solicitado.
Os trabalhadores sem terra estão exigindo uma vida mais digna, no pleno exercício de sua cidadania. A posse da terra seria um passaporte que lhes daria a oportunidade de prosperar. No entanto, estão equivocados.
É compreensível que os sem-terra estejam, por inúmeras razões, iludidos. Não se entende que o governo brasileiro também o esteja -e, mais que isso, que patrocine a falsa esperança de estar solucionado um grave problema social, quando está apenas dando-lhe nova feição, aumentando o segmento dos trabalhadores rurais "com terra", no qual as reivindicações básicas também não serão atendidas.
As alegações corriqueiras de que, para o sucesso da reforma agrária, é necessário, em paralelo à distribuição de terras, realizar ações de assistência técnica, fomento e pesquisa não resolvem o problema. Os motivos são mais fortes que os potenciais benéficos de um aparato assistencialista.
São três as razões que sustentam essa afirmativa.
Primeiro, a lei que regulamenta a reforma agrária no Brasil foi promulgada em 31/11/1964, quando a agricultura brasileira se fazia com terra e trabalho.
Nessa época, esses recursos, bem utilizados, garantiam uma produção agrícola competitiva.
Nas décadas de 60 e 70, a agricultura brasileira passou pela revolução químico-mecânica, com intenso uso de recursos poupadores de terra -isto é, os fatores de produção substitutos da terra como meio de produção.
Os anos 80 caracterizaram-se por expressivos aumentos de produtividade e por quase nenhum de área cultivada.
Em média, atualmente, a terra é responsável por cerca de 20% do total dos custos de produção das atividades agrícolas. Ou seja, ao doar terra, ficam faltando 80% dos recursos necessários ao pequeno produtor rural, como capital, insumos modernos, tecnologia e escala de produção adequada.
A segunda razão associa-se às características atuais da agricultura, que opera com estreita margem de rentabilidade num ambiente muito competitivo.
Além disso, existem, hoje, inúmeras complicações legais para gerenciar uma propriedade agrícola, e há a demanda de uma sociedade urbana preocupada com qualidade e com a questão ambiental.
Nesse contexto, a sustentabilidade de um empreendimento rural só é alcançada mediante eficácia gerencial, para lidar com uma gama de riscos e incertezas. O pequeno empresário rural que não estiver preparado está fadado à marginalização.
O terceiro argumento trata da vulnerabilidade da reforma agrária face às práticas macroeconômicas. Exemplo é a crise da cotonicultura, que, em decorrência de medidas de abertura comercial, causou mais desemprego no campo que o total de assentamentos realizados nos últimos dez anos.
Com a unificação do capital interno, políticas cambiais, fiscais e monetárias são condicionantes muito fortes do sucesso do empreendimento agrícola.
Por essas razões, é passada a hora de discutir novas formas de valorização e apoio ao homem do campo. Primeiramente, é preciso entender que o agrário é mais amplo que o fundiário, por abranger questões de saúde, educação, treinamento de mão-de-obra, moradia, lazer e relações de trabalho no meio rural.
Além disso, há uma estreita vinculação entre o agrário e o agrícola, e não se podem resolver problemas de um dissociando-o do outro. É necessário, também, incluir os pequenos produtores nas soluções propostas.
O modelo tecnológico atual para o campo promete ser ainda mais excludente em relação a esses produtores do que foi o da "revolução verde". Desconhecendo essas premissas, o programa de reforma agrária, como está proposto, apenas protela soluções mais amplas e definitivas.

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