São Paulo, segunda-feira, 2 de dezembro de 1996
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Filhos da repressão unem as forças

RODRIGO BERTOLOTTO
DE BUENOS AIRES

Os filhos da década de 70 cresceram e chegaram à idade de seus pais quando foram capturados pelas forças de segurança da Argentina para nunca mais serem vistos.
"Não posso acreditar que vou ser uma velha de 60 anos, e meu pai será sempre esse garoto de 21 anos que vejo nas fotografias", afirma Paula Maroni, 20.
Ela é uma dos integrantes do grupo H.I.J.O.S. (em português, filhos), que reúne os herdeiros dos 30 mil mortos e desaparecidos durante a repressão à oposição do último regime militar argentino (1976-1983).
Hoje, eles se buscam uns aos outros para entender o passado e retomar a bandeira dos pais.
Após um ano e meio de fundação, H.I.J.O.S. uniu mais de mil membros em todo o país e já estabeleceu contato com grupos similares no Uruguai e Chile.
"Sentir a dor não era suficiente, era necessário transformá-la em ação", diz Florencia Gemetro, 21.
O grupo não tem hierarquia, presidente, símbolo, mensalidade, filiação partidária ou crachá -o que cria uma igualdade dentro dele, mas também um certo caos.
O passado em comum os une, mas seus olhos estão voltados para o presente e o futuro do país.
Uma das campanhas de H.I.J.O.S. é justamente reativar o movimento estudantil, a partir de conversas com alunos de escolas de 1º e 2º grau. "Temos de mostrar como é legal fazer parte de um grupo, porque neste país sempre se ensinou a se afastar das pessoas, a se isolar do mundo", diz Paula.
Mas esse não é o único lema. "Nos anos 70, as pessoas desapareceram pela repressão. Os desaparecidos atuais são os meninos de rua e os desempregados", diz Florencia.
Eles vivem na carne a realidade: muitos dos "hijos" não têm emprego ou fazem bicos, problema que atinge 17,1% da população economicamente ativa do país.
Outra preocupação é a continuidade da truculência policial, responsável por dezenas de mortes nos últimos anos.
Os "hijos" experimentaram a repressão policial em outubro passado, quando fizeram um show de rock na praça de Mayo, em frente à sede de governo do país, a Casa Rosada. Vários acabaram a noite no hospital ou na delegacia.
Depois desse show, o grupo ainda promoveu mais três protestos. O último foi contra um professor que teria sido responsável pelo desaparecimento, em 76, de 9 garotos entre 14 e 18 anos. Os meninos reivindicavam a redução do preço do passe escolar.
O protesto dos H.I.J.O.S. causou o afastamento do professor da escola onde ele lecionava.

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