São Paulo, segunda-feira, 2 de dezembro de 1996
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Berlim unificada vira canteiro de obras

HENRI DE BRESSON
DO "LE MONDE"

O sétimo aniversário da queda do Muro de Berlim foi comemorado no último dia 9 de novembro.
Foram sete anos de maravilhas e de fracassos, fatos contraditórios demais para que se possa encontrar alguma junção entre eles.
A interminável espera pela chegada do governo federal -que deverá se instalar na cidade por volta do o ano 2000-, as complicações da reunificação, a busca de uma identidade destruída por quase 45 anos de Guerra Fria e a separação, tudo isso faz de Berlim, hoje, uma espécie de barco bêbado no coração de uma nova Europa que vem sendo gestada desde o colapso do império soviético.
A normalização não se fez acompanhar pelo progresso, nem a leste nem a oeste da linha de demarcação entre os antigos setores soviético e ocidental da cidade.
Desde a decisão tomada por uma margem apertada de votos, em 1992, de devolver Berlim à condição de capital da Alemanha, a lentidão da transferência do poder vem solapando o ímpeto da reunificação da cidade.
Nos subúrbios orientais de Berlim, o que restou das indústrias que sobreviveram ao fim da República Democrática Alemã lembra a decoração trágica de uma época que ficou no passado.
Com certeza, será preciso esperar anos até que a cidade possa voltar a ser um grande ponto de cruzamento comercial, no centro de uma Europa cuja parte oriental ainda precisa de muito tempo para se desenvolver.
Austeridade
A era das subvenções a fundo perdido, que saíam dos dois lados do muro para impressionar os habitantes do outro, acabou.
Berlim está reunificada, mas sob o signo da austeridade: a cidade é obrigada a poupar com teatros, universidades, creches, em suma, tudo o que era motivo de orgulho dos berlinenses de ambos os lados do muro.
Será enganosa a imagem dos imensos canteiros de obras que transtornam o centro da antiga-futura capital de uma Alemanha reunificada?
Os turistas que vêm procurar, às margens do Spree, um pouco daquele cinza que a imagem de Berlim sempre evocou só podem se espantar diante do que é hoje, sem dúvida, um dos canteiros de obras mais assombrosos do planeta.
A golpes de milhões de marcos, a capital dos antigos "reichs" vai se transformar na vitrine do modelo de democracia desenvolvido após a Segunda Guerra Mundial nos "Lãnder" (Estados) que permaneceram do "lado certo" da Cortina de Ferro.
Bons negócios
Como que dotada de senso premonitório, a Daimler-Benz, na época dirigida por Edgar Reuter -filho do primeiro prefeito social-democrata de Berlim no pós-guerra-, adquiriu, nos anos 1980, um terreno enorme ao lado do muro, perto da Filarmônica, na saída da antiga Potsdamer Platz, uma das grandes praças de Berlim no pré-guerra. Também fizeram parte do negócio o conglomerado japonês Sony e um grupo alemão de distribuição.
Depois da reunificação da cidade, o negócio assumiu dimensões muito maiores.
A reconstrução do bairro da Potsdamer Platz se converteu em símbolo de toda Berlim.
Saindo dali, mergulha-se diretamente no portão de Brandemburgo e no Reichstag, em torno do qual também estão começando as obras de instalação das instituições mais importantes da República Federal da Alemanha: o Bundestag e a chancelaria.
Esses dois grandes canteiros vão moldar a nova cara do centro da capital, que será servido por uma nova linha de metrô, uma via de circulação subterrânea e, sobretudo, uma imensa estação ferroviária para trens de alta velocidade.
Às margens do Landwehrkanal, as estruturas dos primeiros imóveis do projeto Daimler-Benz já se perfilam contra o céu berlinense, como fantasmas.
Novas regras
Os vereadores de Berlim criaram regras rígidas obrigando novos edifícios a respeitar a antiga estrutura arquitetônica berlinense e a não ultrapassar a altura dos prédios nos bairros antigos.
Entre os prédios construídos, 20% da área deve ser reservada para fins habitacionais.
Para Peter Strieden, o jovem e dinâmico senador social-democrata encarregado do desenvolvimento da cidade, está claro que "um novo ambiente berlinense está surgindo no centro da cidade".
O ex-administrador regional da região de Kreuzberg é simbólico da nova esquerda berlinense, que, ao contrário dos "alternativos", acredita nas transformações.
Preocupada com a possibilidade do desenvolvimento acelerado demais, que, segundo ela, ponha em risco o espírito de moderação que garantia a originalidade da parte ocidental da cidade durante a época do muro, obteve uma vitória considerável nas últimas eleições municipais, conquistando três administrações regionais.
É difícil avaliar ao certo o montante dos investimentos feitos na reconstrução de Berlim. Mas as cifras citadas são impressionantes.
Segundo estimativa de Klaus Groth, os fundos públicos e privados, juntos, chegam a 40 bilhões de marcos por ano.
Para 1996 e 1997 está prevista a construção de quase 1 milhão de metros quadrados de novos escritórios, sem perspectivas de encontrar compradores a curto prazo.
Comércio
Com seus belos imóveis novos em folha, a Friedrichstrasse, antiga rua de lojas, grande circulação e cabarés, muito conhecida na época do muro por causa do Check-Point Charlie, principal ponto entrada de ocidentais em Berlim Oriental, parece entediada.
A inauguração da filial berlinense das Galeries Lafayette, no final de abril, foi um evento notável em Berlim, funcionando como sinal de que alguma coisa está acontecendo, apesar de tudo.
Seu diretor, Claude Fabre, considerou a abertura um sucesso discreto. As Galeries vendem uma ampla gama de produtos franceses de nível médio, que abrangem desde moda até gastronomia.
Elas visam a clientela da parte oriental de Berlim, que ainda se mostra tímida diante do luxo ostentatório da grande loja de departamentos que é o fetiche do lado ocidental, a KDW, e para quem as Galeries Lafayette parecem ser uma loja mais a sua medida.
"Antes, não havia nem sequer um gato na Friedrichstrasse. Hoje, as pessoas vêm nos ver. Isso cria uma ligação", espera.
Como bom conhecedor de Berlim, Claude Fabre sabe que, mesmo no centro histórico da cidade, quem vem do lado oriental continua, pelo menos por enquanto, sendo do lado oriental.
A nova Berlim Oriental
Sete anos após o muro, quem achava que as barreiras entre as duas partes da Alemanha iriam cair rapidamente se decepcionou.
Berlim funciona como um laboratório. É claro que as coisas estão mudando, sim. Não se pode assistir diariamente ao brotar de novas construções, como se fossem cogumelos, sem ter a forte sensação de mudança.
A antiga Berlim Oriental -onde as lojas vêm brotando por todo lado desde a chegada do marco ocidental em 1990- reconstruiu uma fachada mais apresentável nesses últimos anos.
A prefeitura fez grandes esforços para rejuvenescer os antigos bondes e modernizar os transportes públicos em geral.
As telefônicas instalaram fiações duplas para estender a rede telefônica a toda a cidade, onde italianos e turcos começam, embora de maneira cautelosa, a ampliar suas redes de restaurantes.
Uma vanguarda formada por jovens alemães e berlinenses do lado ocidental encontrou nos bairros centrais de Berlin-Mitte e Prenzlauer Berg novos nichos onde podem participar da aventura.
O lado oriental tornou-se a cidade da noite, dos cafés, dos templos da "techno music" e das raves, oferecendo mil e uma opções de diversão no fundos de quintais e em fábricas desativadas.
O lado ocidental é o do dia, das lojas, das empresas e de algumas indústrias que sobreviveram.
É para esse lado que vão trabalhar pessoas de todos os lados, tanto do oriental quanto do ocidental e da região periférica do Estado de Brandemburgo.
A antiga Berlim Oriental tem índice de desemprego de 14%, e a ex-Berlim Ocidental, de 15%. A mão-de-obra ocidental, mais exigente, foi prejudicada nos setores de emprego não-qualificado, especialmente no caso dos turcos.
O boom da construção civil não exerceu o efeito esperado para aliviar o mercado. Várias empresas preferem apelar para a mão-de-obra mais barata, vinda de outros países: poloneses e romenos, mas também portugueses e britânicos.
Futuro
Se Berlim quer tornar-se uma espécie de plataforma giratória no meio de uma Europa ampliada, ponto obrigatório de passagem entre leste e oeste, terá de utilizar todas as suas energias.

Tradução de Clara Allain

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