São Paulo, quarta-feira, 4 de dezembro de 1996
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Portuguesa é a fusão de pingos de mercúrio

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O saudoso Joreca, cronista esportivo que virou técnico de futebol na década de 30 e que dirigiu a célebre Máquina de Costura tricolor dos anos 40, de Luizinho, Sastre, Leônidas, Remo e Teixerinha, costumava dizer que, como na nossa espécie, para um time ficar em pé é preciso ter uma espinha dorsal forte. Hoje, como naqueles tempos, a espinha de um time é a linha mestra composta por goleiro, beque central, centromédio e centroavante.
Nesse sentido, o Atlético Mineiro é um verdadeiramente um ser erectus: no gol, Taffarel, que carrega nos ombros duas Copas do Mundo; na zaga central, Ronaldo, firme, sobretudo nas bolas altas, embora um tanto lento; no meio-campo, Moacir, que lembra os elegantes centromédios dos tempos de Joreca; no comando do ataque, Renaldo, o artilheiro do certame até aqui.
Acrescente-se a velocidade de Euller, deslocando-se pelas duas extremidades do ataque, a solidez de Doriva na marcação à entrada de sua área, a precisão do veterano Paulo Roberto nos cruzos, como gostam os mineiros, à área, e temos aí um time que chegou às semifinais não por acaso, embora tangido pelas circunstâncias de um torneio surreal.
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Em contrapartida, a Lusa contraria esse preceito do velho técnico. Pra começar, não tem um centroavante típico, goleador, como Renaldo. Essa função é difusa, cumprida ora por Caio, ora por Rodrigo, ora por Tico ou Alex Alves.
Na verdade, se visto cá de cima, o time se espalha pelo campo, como pingos esparsos de mercúrio que se fundem, subitamente, à frente do gol inimigo. Como se vê, dois estilos, nenhuma previsão.
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Antagonismo ainda mais profundo é o de Grêmio e Goiás. Um, gaúcho, tradicionalista, forjado há tempos nas disputas de morte do tipo atual, sólido na marcação, esquivo no ataque, com timbre internacional. Outro, do Brasil Central, jovem, quase imberbe, lépido como um currupira esgueirando-se pelas matas virgens como a cor e a tradição de sua camisa, com os pés virados ao contrário só para dar a ilusão de que vai quando vem.
Você olha o Grêmio, e vê o paraguaio Rivarola, de bombachas. Você olha o Goiás, e vê Lúcio, saci de duas pernas ágeis e matreiras.
Como se vê, dois estilos, nenhuma previsão.
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Interessante esse exercício que a comissão técnica do Goiás aplica em seus jogadores, buscando aumentar a periferia da visão de cada um.
Há muito tempo não ouço falar em visão periférica no futebol. A bem da verdade, a primeira e última foi quando meteram o fenômeno Pelé sob as lentes dos especialistas, lá pelos fins dos anos 50.
Dentre tantos atributos, um foi especialmente destacado: o segredo de Pelé era sua extraordinária visão periférica, que raiava os limites do impossível.
Ao saber disso, o becão Jurandir, vítima contumaz de tantas maldades do craque dentro das quatro linhas e longe do olhar dos especialistas, balançou a cabeça incrédulo, e sentenciou num sorriso malicioso: "O que esse negrão tem é um olho nas costas".

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