São Paulo, quarta-feira, 4 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

No a la reelección

ANTONIO DELFIM NETTO

O presidente Fernando Henrique obteve um formidável sucesso no combate à inflação. É lamentável que depois de ter convencido toda a sociedade brasileira da necessidade de se realizarem as reformas tributária, monetária, de seguridade e da organização do Estado para que se complete o quadro de estabilização tenha colocado como objetivo maior a possibilidade de sua reeleição.
Essa subversão das prioridades originais e corretas tende a retardar o avanço das outras reformas. O Congresso tem dificuldade de manobrar a "ordem do dia" quando transita um assunto dessa importância, que altera a estrutura do poder e que poderá ter graves consequências não intencionais na organização política do país.
A questão assume aspecto ainda mais intrigante quando se sabe que o sr. presidente pretende sugerir a convocação extraordinária do Congresso Nacional e incluir na pauta das discussões um assunto de seu próprio interesse.
O inciso II do parágrafo 6º do artigo 57 da Constituição de 1988 é claro: "A convocação extraordinária do Congresso Nacional far-se-á pelo presidente da República, pelos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ou a requerimento da maioria dos membros de ambas as Casas, em caso de urgência ou interesse público relevante".
Ora, a possibilidade de reeleição dos chefes de Executivo -que obviamente implica na eliminação da desincompatibilização- está longe de merecer "urgência" agora, dois anos antes do término do mandato. Ela perturba a análise e votação das medidas reconhecidamente urgentes (reforma fiscal, do Estado ou da seguridade social).
Além disso, é pelo menos duvidoso que satisfaça à condição de "interesse público relevante", a não ser que este se confunda com a "vontade" do chefe do Executivo.
No caso da reeleição o problema é complexo, porque ela poderá ter desastrosas consequências sobre o futuro da organização política do país se não for cercada do maior cuidado. Deixemos de lado o problema pessoal do presidente, que todos sabemos homem de excelsas virtudes.
Mas foi por causa da reeleição que inicialmente combateu que Porfírio Diaz -também homem virtuoso- ficou mais de 30 anos no poder para "modernizar" o México... E no seu último mandato a maioria do Congresso era constituída de seus compadres. Lembremo-nos de que a maior reivindicação da longa e sangrenta revolução mexicana que derrubou dom Porfírio era "No a la reelección"!
Tomemos uma comunidade de 100 ou 200 mil habitantes e pensemos o que será a reeleição sem desincompatibilização. Todos sabemos como uma facção política pode dominar a opinião local: influencia a imprensa, a rádio AM e FM, a repetidora de TV, concessões obtidas politicamente. O prefeito eleito por essa facção escolhe dentro dela os seus secretários e, no exercício do poder, todos vão alegremente à reeleição sem se desincompatibilizar. Reeleito o prefeito e eleitos vereadores os seus secretários, inicia-se um processo de reprodução endogâmica que instala o "imperialismo municipal".
Estamos retornando ao período que antecedeu o ciclo getuliano, voltando à primeira República! Será que teremos de encontrar nosso Zapata?

Texto Anterior: Velhas palavras
Próximo Texto: Fim do trabalho infantil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.