São Paulo, quarta-feira, 4 de dezembro de 1996
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Fim do trabalho infantil

ODED GRAJEW

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Luiz Felipe Lampreia, escreveu na Folha (10/11) um artigo condenando a tentativa de alguns países, sindicatos de trabalhadores, entidades empresariais e organizações de defesa dos direitos humanos de introduzir cláusulas sociais nas normas de funcionamento do comércio internacional.
Alega o ministro que a adoção de tais normas introduziria um "elemento estranho ao comércio", abrindo caminho para um sem-número de medidas e práticas nitidamente protecionistas.
A Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança iniciou há um ano um trabalho de pesquisa mostrando a presença de trabalho infantil na cadeia produtiva de importantes setores da nossa economia. As crianças que trabalham nas carvoarias, que colam sapatos, colhem laranjas e cortam cana-de-açúcar estavam alimentando, com o resultado do seu trabalho, a produção de carros, sapatos, suco de laranja, açúcar e álcool.
Sensibilizados com o problema, preocupados com a repercussão dessa situação junto aos consumidores e à comunidade nacional e internacional, várias montadoras de automóveis (Volkswagen, Ford, General Motors e Mercedes-Benz), os fabricantes de sapatos de Franca e a Abecitrus (Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos) manifestaram o seu compromisso político com a eliminação do trabalho infantil na cadeia produtiva dos seus produtos e estão promovendo ações efetivas para o encaminhamento e a permanência das crianças na escola.
Na área da cana-de-açúcar, o governo paulista articulou o "pacto dos bandeirantes", e o governo federal firmou um acordo envolvendo vários ministérios, detalhando ações concretas de apoio a iniciativas que provoquem a retirada das crianças do trabalho nos canaviais e a volta à escola. Em 6/9, o presidente, governadores, ministros, presidentes de centrais sindicais e de federações empresariais e representantes de entidades não-governamentais assinavam um pacto contra o trabalho infantil.
O programa "Empresa Amiga da Criança", da Fundação Abrinq, visa formar uma rede de empresas que não exploram o trabalho infantil e que, ao mesmo tempo, promovam ações em favor das crianças mais carentes. Centenas de empresas já receberam um diploma e o direito de usar o selo do programa nos seus produtos.
Em 1997, será realizada uma campanha estimulando as comunidades a prestigiar essas empresas. A força do mercado, punindo empresas por práticas predatórias e valorizando aquelas que se preocupam com o patrimônio humano ambiental e cultural, tem se revelado extraordinariamente eficaz e poderosa para melhorar a vida de milhões de pessoas em todo o mundo.
A pressão internacional pela adoção de regras éticas no comércio é cada vez maior. O ministro Lampreia afirma que "o Brasil não participa do comércio internacional à base de salários iníquos, do uso extensivo de trabalho infantil, escravo ou de presidiários".
O presidente FHC acaba de enviar uma proposta de mudança constitucional que elimina inclusive o trabalho infantil na forma de aprendiz, fixando em 14 anos a idade mínima para que adolescentes possam começar a trabalhar, sempre em condições que não sejam insalubres e que possam viabilizar a continuação dos seus estudos.
Quem não deve não teme. Portanto, em vez de simplesmente resistir à introdução de cláusulas sociais no comércio internacional e ficar na contramão da história, o Brasil deveria estar em condições de ter uma atitude mais inteligente e digna.
Coerente com seus compromissos pela eliminação do trabalho infantil, pelo grave atentado à dignidade humana que representa essa prática, o Brasil deveria propor na reunião ministerial de Cingapura da Organização Mundial do Comércio a formação de um grupo de trabalho que apresentasse propostas de eliminação da exploração de crianças no comércio internacional.
Esse grupo ofereceria a oportunidade de propor medidas efetivas, evitando ao mesmo tempo que ações com interesse exclusivamente protecionista pudessem agravar a situação de países e, consequentemente, de famílias pobres.
Ao tomar essa iniciativa, o Brasil ganharia o respeito da comunidade internacional e teria a oportunidade e a autoridade de participar ativamente no processo, preservando a essência da proposta, propondo medidas efetivas, defendendo os legítimos interesses nacionais e evitando ações deturpadoras tão temidas pelo ministro Lampreia.
Temos que ter coragem, sabedoria, dignidade e confiança na nossa competência. O Brasil não pode se esquivar e perder a oportunidade de assumir uma posição de liderança mundial na defesa dos direitos das crianças.

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