São Paulo, domingo, 8 de dezembro de 1996
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Boa (?) notícia; Fiat Bang; Fim da guerra; Casa Real; Paulo Maluf, o cabo eleitoral de FFHH; Eu prorrogo, tu prorrogas, eles pagam; Pizzaria CPI (1); Pizzaria CPI (2); Ocimar Versolato; Coisa feia; Grande virada

ELIO GASPARI

Boa (?) notícia
Uma ótima notícia na área de saúde dos quadrúpedes. Se tudo correr bem, até janeiro os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina serão declarados territórios livres de peste suína e febre aftosa. Isso lhes reabrirá os mercados importadores da Europa e Estados Unidos
Uma má notícia na área de saúde. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Pedro Parente, estuda a possibilidade de tungar um pedaço do CPMF, imposto destinado a equilibrar o orçamento da saúde dos bípedes, isentando as transações feitas em bolsas de valores e em algumas instâncias do mercado financeiro. Uma navalhada de algumas dezenas de milhões de reais na bolsa da viúva.
Ainda bem que o ministro Adib Jatene foi-se embora, porque corria o risco de anunciar num congresso internacional que, enquanto a iniciativa privada brasileira conseguiu controlar endemias de suínos, o governo não paga em dia aos laboratórios oficiais que produzem remédios contra a tuberculose dos hominídeos.

Fiat Bang
Há sólidas razões para se suspeitar que a tradicional empresa de fósforos Fiat Lux vá se associar a uma fábrica de roupas e tapetes. Só isso explica a frequência com que seus palitos quebram e lançam cabeças incandescentes sobre os consumidores. Isso quando não explodem.
Num mundo globalizado, o Brasil virou lata de lixo da indústria de fósforos. No ano passado gastaram-se perto de US$ 10 milhões com importações, inclusive dos temíveis Kangaroo, indianos e quase sempre mofados. Agora criou-se o similar nacional do que havia de pior no mercado mundial. Isso num mercado que queima 10 milhões de caixas por dia.

Fim da guerra
Cena rápida:
Empresários e banqueiros almoçam na sede do Banco Multiplic com sir Brian Pitman, presidente do Lloyd's Bank, de Londres.
Depois de muita conversa sobre a economia de Pindorama, sir Brian meteu sua colher:
"O Brasil está abrindo sua economia e está entrando na globalização. Eu quero lhes fazer uma pergunta simples: existe, de parte do presidente da República, de seus ministros, do Congresso, dos empresários e do povo em geral uma decisão firme de levar o país a ganhar essa guerra contra os Tigres Asiáticos, o Japão e a Alemanha?"
As respostas saíram mornas. Ele arrematou:
"Então vocês vão perder a guerra. Não quero dizer que vocês vão acabar. Apenas que vocês vão perder."

Casa Real
Vai bem a alma d'El Rey. Depois de ter se habituado a chamar o Palácio da Alvorada de "lá em casa", FFHH agora se diverte mostrando sua ala residencial com a seguinte introdução: "Aqui ficam os aposentos do monarca."

Paulo Maluf, o cabo eleitoral de FFHH
(legenda) Maluf, com o rosto de 96 e os óculos de 69
Fernando Henrique Cardoso ganhou o grande cabo eleitoral de sua reeleição. Chama-se Paulo Maluf. Ganhou também a oportunidade de mostrar uma de suas maiores virtudes políticas, a de jogar parado, como Didi.
São tantas as impertinências, bobagens, grosserias e vacuidades ditas por Maluf, que FFHH nem precisa ligar a matraca de Sérgio Motta. (Ainda que lhe mantenha ligada a caneta concessionária.)
Cavalgando uma espetacular vitória eleitoral, Maluf atropelou em direção ao nada. Voltou a ser o Maluf arrogante e de tal forma desconexo que nem sequer de hipócrita se pode chamá-lo. Dois exemplos, tirados da malufália da semana passada:
"Compensou, a longo prazo, ser ético e honesto." (A curto e médio, não?)
"Se diz que, em 1988, Sarney comprou o mandato de cinco anos em troca de concessões de rádio." (Acusar os outros colocando um "se diz" no inicio da frase é uma trapaça vulgar, até porque o que "se diz", "se disse" e "se dirá" de Paulo Maluf, nenhuma família ouve sem antes rezar um terço absolutório.)
Candidato a presidente da República, Maluf não foi capaz de dizer uma só palavra sobre assuntos sérios, como educação, saúde e finanças públicas. Mesmo sabendo-se que foram suas realizações como prefeito que lhe devolveram a viabilidade política, adquiriu uma espécie de radicalismo parlapatão que parecia exclusividade do tédio petista.
Quando o senador José Serra diz que se devem investigar as traficâncias feitas com os papéis do Tesouro Municipal paulistano, ele responde que os tucanos querem um terceiro turno. Nada disso. Querem saber o que aconteceu ao papelório. (O doutor Alkimar Moura, diretor de Normas do BC, tão solícito para anunciar às vésperas da eleição que havia uma investigação em curso, continua no silêncio de sua essencial irrelevância).
Maluf não ataca a agenda de FFHH porque supõe que, se fizer isso, perde aliados. Óbvio. Se falar do Proer, lá se vai a banca. Fale dos caloteiros do Banco do Brasil, e lá se vão os ruralistas. Fale do déficit comercial, bye -bye importadores. Pretende somar no grito.
Dois exemplos de seus maus modos:
Disse que não comentava a possibilidade de ir ao Planalto conversar com FFHH. Em troca, estenderia um tapete vermelho, se ele quisesse vir ao seu palacete paulista. Esse joguinho de endereços foi uma tentativa de humilhação do presidente. Qualquer cidadão brasileiro, se convidado a um encontro com o presidente da República (mesmo que ele venha a ser Paulo Maluf), lá estará, à hora e local sugeridos.
Comparou FFHH e suas medidas provisórias ao método de gestão de Adolf Hitler. Depois se desculpou, mantendo a acusação de que FH age como ditador. Isso apenas prova que não entende de democracia, de Hitler nem de FH, ainda que tenha bons conhecimentos de ditadura. (Em tempo: o jovem Hitler era melhor aquarelista que Cardoso, poeta.)
É provável que Maluf saia do ar até o Ano Novo, mas seu estrago deveria ser comemorado por FFHH. O principal adversário da reeleição é a favor da reeleição (dele, Maluf), não tem uma só idéia que fique de pé e não é capaz de vocalizar um só ataque que tenha substância.
Depois de ter ajudado a iluminar a doce biografia de Tancredo Neves em 1984, Paulo Maluf se tornou um pedreiro do pedestal de FFHH.

Eu prorrogo, tu prorrogas, eles pagam
Cursinho rápido de malandragem, no qual se pode aprender como o nada pode ser transformado em muita coi$a:
1) No ano passado FH assinou uma nova lei de concessões públicas, por meio da qual o Estado dava a particulares o direito de explorar serviços destinados à patuléia. Foi considerada um primor, pois estimularia a concorrência entre os empresários. Um dos nacos mais lucrativos dessas concessões está com as empresas de transportes coletivos. As grandes companhias de ônibus, em bom português.
2) A lei dizia que, até fevereiro de 1997, deveriam ser tomadas as providências para que as concessões precárias ou vencidas fossem submetidas a licitações. Que o melhor ficasse com o serviço. Essa nova política também estimularia a concorrência, evitando que um só empresário ficasse, necessariamente, com a exclusividade de um serviço de ônibus. Beleza.
3) Passou o ano de 95 e nada de licitações. Está acabando o de 96, e nada de concorrência. Depois de tanto sono, a Câmara dos Deputados decidiu colocar em ritmo de urgência urgentíssima um projeto do deputado Chico da Princesa (sobrenome tirado à empresa de transportes onde trabalhou, no Paraná). Por pouco não o aprovaram. O projeto diz que cabe ao poder público "licitar" ou "prorrogar" as concessões existentes. A entrada do verbo "prorrogar" subverte a idéia do incentivo à concorrência. Abre um festival de mamatas. Quanto vale uma canetada prorrogando por dez anos a concessão de uma linha de ônibus interestadual?
4) Se isso fosse pouco, enfiando-se a urgência urgentíssima no panelão, abriu-se a possibilidade de dar aos atuais prefeitos, com menos de um mês de mandato, a dádiva de distribuir concessões que vigorarão até o ano 2.006. Eles, que não trabalharam pelas licitações, poderão presentear prorrogações. (Isso para não mencionar a capacidade do Planalto atender a bancada rodoviária com as concessões interestaduais.)
O projeto de Chico da Princesa empacou. Melhor se fosse ao lixo, substituído por outro que dê às pessoas que pagam as passagens de ônibus a sensação de que há alguém interessado na melhoria dos serviços, de acordo com as forças do mercado. Basta abrir as licitações, mesmo oferecendo aos atuais concessionários algum tipo de preferência.
Para que não se suponha que todas as culpas nacionais moram no Congresso, vale registrar que o Palácio do Planalto negocia fraternalmente com a bancada rodoviária há mais de um ano. Seu representante nessas conversações foi, no inicio, o secretário-geral da Presidência, Eduardo Jorge.
A menos que a prorrogação pura e simples das concessões seja varrida do mapa, confirma-se a existência de dois pilares na filosofia do tucanato:
. Toda pressão sem beneficiário privado visível é corporativismo.
. Toda pressão em benefício de corporações privadas visíveis é uma moderna modalidade de política pública.

Pizzaria CPI (1)
O senador Gilberto Miranda procurou o presidente Fernando Henrique Cardoso. Quis compartilhar com ele suas apreensões diante da formação da CPI do Senado que vai investigar as emissões de títulos estaduais sob o disfarce de pagamento de precatórios.
Giberto Miranda temia que a CPI, pisando fundo, viesse a desencavar alguma botija papeleira do governo.
Conversa ruim, porque poderia deixar a impressão de que o senador estava tentando a um só tempo assustar o presidente e/ou anestesiar as investigações.
Essa CPI foi criada para acabar em pizza, mas serão necessárias grandes acrobacias para esterilizar as impropriedades documentadamente cometidas com os papéis de Santa Catarina e de Alagoas.
A acrobacia do senador Miranda foi a primeira. Audaciosa, porém banal, falhou. Se tentar de novo, com o vice-presidente Marco Maciel, talvez se saia melhor.

Pizzaria CPI (2)
Outro acrobata a entrar no picadeiro da CPI foi o presidente do Banco Central, Gustavo Loyola. Desde o primeiro momento, ainda que com muita discrição, ele fez saber a pelo menos um interlocutor que não estava certo de que a roubalheira dos títulos estaduais fosse um caso de CPI. Rebarbado, não insistiu. Tentou a mesma acrobacia num trapézio mais alto, fazendo raciocínios semelhantes ao do senador Miranda. Loyola deixou a impressão de que temia a entrada das investigações no 14º andar do BC, onde funciona seu Departamento de Dívida Pública.
Também falhou. Não há como lhe sugerir um caminho novo, visto que o ministro Pedro Malan não lhe dará o prazer do jogo em dupla.
Fica entendido que FH não está disposto a abafar a CPI, muito menos a fazer acrobacias para proteger a fortunas instantâneas que o papelório produziu.

Ocimar Versolato
(35 anos, estilista da Casa Lanvin.)
Há um ano, depois de visitar o Brasil, o senhor contou que a mulher que mais lhe impressionou pela elegância foi uma mendiga. As brasileiras se vestem mal?
O que me impressionou naquela mendiga, com um pedaço de pano enrolado no pescoço, como se fosse uma peça de cashmere, foi o seu porte. Ela fazia a roupa. Hoje, no Brasil, a melhor parte da moda é o público. Ele compra. Boa parte das nossas grifes são exercícios de ego. As pessoas assinam a roupa mas não a cortam direito. No tempo das costureiras de bairro havia mais cuidado, mais inteligência. O mercado de jeans e de camisetas brasileiro é o mais caro do mundo. Essas roupas são simples, não deveriam custar tanto. Só custam isso aqui.
O que é que a perua vai vestir no ano que vem?
Como sempre, o que não deve. A palavra perua não faz parte do meu vocabulário. Há mulheres que tem um problema de personalidade. Elas se vestem para os outros. Se enfeitam demais, coisa que só pessoas como a Diane Vreeland e Carmem Mayrink Veiga conseguiram com sucesso. Esse engano não está só no enfeite, está na confusão. Você veja: pode-se usar muito bem um modelo do Versace com aquelas cores todas, desde que seja isso que se quer usar. Tem mais: quando uma pessoa pensa em Versace e compra Escada, aí não tem mais jeito. É disfarce, economia. Hoje, uma roupa Chanel é o caminho mais curto para desandar, porque virou coisa como "veja-o-meu-Chanel".
Depois do fio dental, que contribuição o senhor acha que a mulher brasileira deu à moda?
Tudo o que se relaciona com a praia. Na praia a mulher brasileira está à vontade. Você pode ver gordas felizes de fio dental. A praia faz parte da nossa cultura. Já uma brasileira com uma roupa de executiva (aqueles paletós de linho), é mais complicado. Ombro largo é uma coisa horrorosa. Ombro largo e perna curta, inconcebível. A mulher brasileira pode usar um fio dental ou uma canga, com muita elegância, mas essa fantasia de executiva muitas vezes não dá certo. Uma mulher com 1,75 m não pode ter mais de 18 cm de ombro coberto, com armação e tudo. Se essa conta não for possível, vista outra coisa.

Coisa feia
Está difícil a vida para o ministro Luís Carlos Santos, do Balcão Político, e para o presidente do Banco do Brasil, Paulo Cesar Ximenes.
Chegou às mãos de um parlamentar um maço de folhas de computador com o resumo dos cadastros bancários dos seus colegas do PPB. Tem tudo: saldo, débito no cheque especial y otras cositas más relacionadas com empresas de congressistas que operam com o BB.
Trata-se de uma violação do sigilo bancário. Se ninguém soubesse quem pediu e quem mandou dar, esses cadastros seriam úteis nas negociações do Balcão. Quebrado o sigilo político, o calhamaço se tornará explosivo.

Grande virada
Nos anos 60 o secretário de Estado Henry Kissinger grampeou por mais de um ano o telefone de um de seus colaboradores. Chamava-se Anthony Lake, e acaba de ser nomeado diretor da CIA pelo presidente Bill Clinton.
Lake processou Kissinger, ganhou a causa e tem emoldurada em casa a carta com que ele foi obrigado a lhe pedir desculpas.
Passou de grampeado a grampeador.

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