São Paulo, domingo, 8 de dezembro de 1996
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Fidel, o papa e a religião

LEONARDO BOFF

O encontro entre o papa e Fidel Castro em Roma, no mês de novembro, e a visita papal à ilha, marcada para 1997, reacenderam a discussão sobre a religião em Cuba. Quero dar o meu testemunho pessoal, fruto de prolongados diálogos com o próprio Fidel Castro e com autoridades religiosas locais.
Quando o Vaticano me submeteu, em 1985, ao "silêncio obsequioso", o comandante me fez um convite pessoal para passar 15 dias com ele na ilha. Aceitei o convite. O próprio Fidel garantiu à Nunciatura Apostólica que eu seria disciplinado e não violaria nenhum dispositivo ligado ao silêncio.
O que mais me impressionou foi a quantidade de livros que Fidel havia reunido e, em grande parte, lido e anotado sobre a Teologia da Libertação. Nos longos diálogos que mantivemos por todo esse tempo, mostrava um conhecimento minucioso não só das implicações políticas dessa teologia, mas também, especificamente, das questões doutrinárias.
Não devemos esquecer que Fidel passou 12 anos interno num colégio jesuíta e acumulou uma orientação segura em religião. Eu pensava lá com meus botões: se o cardeal Ratzinger, que tanto combateu a Teologia da Libertação, mostrasse metade do conhecimento que Fidel mostrou, outro seria o juízo oficial acerca desse tipo de teologia.
A imagem que me restou daqueles 15 dias de convívio foi a seguinte: o socialismo não pode continuar com a doutrina oficialista de que a religião é ópio do povo. Em Cuba, ela pertence à identidade do povo cubano e, como tal, deve ser integrada pelo socialismo.
Fidel repetiu-me o que disse em outros lugares: "No dia em que os cristãos latino-americanos assumirem a revolução, ela se fará invencível". E confessava mais: se, no momento em que fez a revolução, tivesse encontrado um cristianismo de libertação, outro teria sido seu próprio caminho.
Segundo ele, a integração do cristianismo pelo socialismo cubano deveria ocorrer pelo viés da Teologia da Libertação, porque essa teologia, continuando teologia, se fez revolucionária e, por isso, conatural ao ideário socialista.
Permaneceu-me na memória sua formulação: "O que importa, finalmente, na América Latina, não é ser comunista ou cristão, mas sim revolucionário, no sentido de assumir um compromisso de transformar as estruturas de injustiça em estruturas de justiça".
Jesus seguramente resgataria essa frase na lógica de seu evangelho: a árvore é boa não porque é cristã. A árvore é boa porque produz bons frutos. E, se produz bons frutos, tem algo do cristianismo e da vontade de Deus na história que se chama reino.
Se o papa entender essa lição ao visitar Cuba, encontrará seguramente convergências com Fidel e com o socialismo que lá se instalou. E ajudará a animar aqueles segmentos cristãos que fazem da fé uma mística dos olhos abertos sobre as chagas humanas, mística das mãos operosas que curam e dignificam a vida.

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