São Paulo, segunda-feira, 9 de dezembro de 1996
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Obra ameaça a herança lusa de Colônia

JASON WEBB
DA "REUTER", EM COLÔNIA DO SACRAMENTO, URUGUAI

Até a decisão de construir a ponte mais longa do mundo, a vida em Colônia do Sacramento pouco mudará desde o fechamento da arena de touros, dois meses após sua inauguração, em 1910.
Construída pelos portugueses na sonolenta costa uruguaia há 300 anos, Colônia é tão tranquila que os motociclistas costumam carregar termos de chimarrão no colo, sorvendo por bombilhas de metal.
O rio da Prata corre sereno ao final dos paralelepípedos da rua dos Suspiros, que deve ter ganho esse nome no século 18, quando suas casas abrigavam bordéis para servir às tropas lotadas na cidade.
O Sol meridional brilha por meses sobre as praças silenciosas e as casas caiadas cobertas por telhas alaranjadas.
Em 1995, a Unesco (órgão das Nações Unidas para educação e cultura) confirmou o que os moradores havia muito sentiam, designando a cidade um legado cultural da humanidade.
Mas planos para gastar US$ 1 bilhão numa ponte de 40 quilômetros sobre o estuário do rio da Prata, que separa o Uruguai da Argentina, deixaram inquietos os 30 mil habitantes de Colônia.
As autoridades locais estimam que investidores vão injetar US$ 400 milhões na cidade depois que a ponte estiver concluída, inflando a população para estimadas 120 mil pessoas em 2015 e empurrando a mansa Colônia para o século 21.
Como a cidade parece ainda estar no século 19, isso implicaria pular todo o 20.
"Novos tempos requerem novas realizações", diz o prefeito Miguel Jimeno, para quem a oposição ao plano vem da pachorra uruguaia e da intimidação que os locais sentem em relação às mudanças.
A ponte, completa o prefeito, pode parecer perturbadora no início, mas será lucrativa para a cidade e o país. "É como um parto, pode machucar, mas trará muita alegria."
Invasão portenha
Os adversários da obra querem que o lado argentino da ponte permaneça onde está: a tentacular metrópole de Buenos Aires vivendo um tenso final de século que mistura yuppies, telefones celulares e manchas de pobreza.
Os argentinos, há muito, cruzam o rio de "ferryboat" em busca de um pouco de calma e tranquilidade, e o turismo, faz anos, é a principal fonte de renda de Colônia.
Mas alguns temem que o lucrativo gotejar de turistas diários se transforme numa incontrolável enchente e que Buenos Aires exporte seus congestionamentos e afunde a pequena Colônia.
Maximo Pontet é um dos que expressam dúvidas. "Colônia é apenas uma pequena e encantadora cidade. Não há muitas coisas por aqui", afirma Pontet, 86, enquanto toma sol numa das viçosas praças locais.
"Mas eles virão. Nas grandes cidades, como Buenos Aires, há lugar para gente boa e má. Entre eles biltres que, com essa ponte, virão para cá mais rapidamente e em maior número."
Outra moradora, uma argentina que fugiu pelo rio para escapar de Buenos Aires, teme que a grande cidade corra atrás dela a galope por meio da ponte.
"O progresso não é mau", ela diz, enquanto seus filhos brincam numa rua quase deserta de carros.
"A união entre países e o comércio não são coisas ruins. Mas eu acho que eles terão de tomar muito cuidado para esse pequeno lugar não ser engolido pelo grande lobo que é Buenos Aires."
Pedágio milionário
Estudos indicam que a ponte é factível se atrair pelo menos 7.000 veículos por dia.
Como nenhum governo está disposto a pagar nem um centavo sequer para financiá-la, a ponte terá de ser inteiramente construída por empresas privadas, que poderão cobrar de cada veículo um pedágio estimado pelas autoridades dos dois lados em US$ 70.
A ponte cortaria 300 km da viagem por terra entre Buenos Aires e Montevidéu e horas da rota rumo ao Brasil. Também seria um poderoso símbolo da integração do Mercosul.
A idéia foi sugerida inicialmente no século passado, mas a comissão encarregada não foi constituída pelos governos argentino e uruguaio até 1985. Mas o verdadeiro ímpeto para o projeto foi a criação do Mercado Comum do Sul.
A comissão planeja para o ano que vem uma concorrência para a construção, se bem que não haja um calendário fixo.
Mesmo os favoráveis à ponte expressam, informalmente, suas dúvidas. Afirmam que os construtores terão de cobrar um pedágio exorbitante, mais de US$ 100 por carro, para torná-la lucrativa.
Touros rio abaixo
Se o projeto da ponte falhar, não terá sido o primeiro fracasso de Colônia em alcançar a glória.
A enorme arena de touros está fechada ao público, porque sua cobertura de tijolos está se desprendendo perigosamente das vigas de aço importadas da Grã-Bretanha especialmente para a edificação.
Construída a um custo considerado exorbitante em 1910, ela foi idealizada para atrair os ricos turistas da Argentina, país no qual as touradas eram ilegais.
Cerca de dois meses mais tarde, após apenas oito touradas, as corridas foram proibidas também no Uruguai.

Tradução de Claudio Garon

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