São Paulo, terça-feira, 10 de dezembro de 1996
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Sexo e amor com déficit na balança comercial

ARNALDO JABOR
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

As paredes de zebra tremiam sob a luz lilás e os espelhos "fumê" multiplicavam ao infinito os corpos dos amantes.
Lucineide já sentia o prelúdio de um orgasmo delirante, os primeiros sinais de que chegaria ao prazer "qualidade total", prazer "nível 1", quando a virilidade de JHB (45, economista com PhD em Stanford e diretor do Banco Central) começou a sumir dentro dela, como se fosse um Fokker com o reverso ligado, um desastre à vista.
JHB ainda tentou com fé, mas sua masculinidade foi virando nada, ar, saindo de dentro de Lucineide, a fogosa secretária do BNDS, que fechou os olhos, tentando ainda aproveitar os últimos detritos do botãozinho em flor, mas o vazio se instalou e o que era pedra se fez espuma.
Na TV do motel, o filme pornográfico virava um amontoado de corpos tristes, enquanto JHB acendia um cigarro e Lucineide tentava o tipo "compreensiva":
- Meu amor, que foi?
- Os juros, Luci, os juros altos -gemeu o economista.
- Querido, isso acontece com qualquer um.
- Talvez, mas sem juros altos estamos perdidos.
- Baixa os juros, amor.
JHB sorriu com amargor:
- Não posso. Como vamos atrair dinheiro estrangeiro? Os americanos só mandam dinheiro aqui por causa dos juros altos.
- Ótimo. O Brasil fica cheio de dólares...
- Mas, minha gatinha, o Banco Central tem de comprar esses dólares que entram e aplicar lá fora a 6% ao ano. Mas, como o Estado se financia com dívida pública, pagando 20% ao ano ao investidor, temos o "déficit público" com a diferença.
- Por que não baixa o custo do Estado? -disse a linda loura, baixinho.
- Se eu pudesse... Faríamos o ajuste fiscal, mas, para baixar o custo, precisamos fazer as reformas na previdência, administrativa, tributária... Aí, diminuiria o déficit público...
Lucineide tentou animá-lo:
- Ah, meu bem... Deus é grande... Vai passar tudo... Passa a reeleição, passam as reformas, até esses seus "juros baixos" vão passar -disse Lucineide, rindo com os dentinhos lindos, enquanto beijava seu corpo lentamente.
O economista começou a se animar. Sentiu alguns tremores nos meios de produção, uma leve expansão da demanda, mas logo viu que eram apenas rumores do mercado.
- O Congresso não deixa fazer reformas. O Estado é deles, eles representam os donos do Estado. A única solução é continuar com juros altos ("e pau baixo", pensou para si), senão aquelas velhinhas de Kentucky e Massachusetts, aquelas filhas da puta, aconselhadas pela vaca da Merryl Linch e pelo veado do George Soros, tiram o dinheiro que têm aplicado aqui em CDB, com o qual a gente financia o déficit público... -sorriu JHB com um toque de loucura.
- Se ao menos aumentassem as exportações... -sussurrou a moça com o torso e os seios bem visíveis no espelho para que ele se excitasse.
- É o que eu esperava, mas o "custo Brasil" é imenso... Os portos caríssimos, estradas ruins... E o déficit comercial não pára de crescer! Ai, ai... Meu Deus... As importações aumentam e as exportações não crescem...
- Mas... Meu amor, você não vai mexer no câmbio? -disse a loura, roçando-lhe o seio no ombro.
- Nunca! Você quer o quê? Que volte a inflação? Nada disso!
Lucineide viu que era hora de parar. Em vez de insistir, levantou-se. Suas pernas bem torneadas tinham o eco de academias de ginástica; a marca de seu biquíni brilhava na luz lilás ali no "Crazy Love", o motel mais querido dos tecnoburocratas. Ela sabia das coisas. Não tinha tirado os sapatos de verniz salto agulha, que ele olhara com avidez nos corredores do Banco Central.
Essa era a primeira vez e JHB sofria com a oportunidade perdida. Fechou os olhos, quando Lucineide se curvou sobre ele, sussurrando:
- Você não precisa fazer nada, amor... Deixa que eu cuido de você... Relaxa... Relaxa... O som tocava um Leandro e Leonardo, o que fez JHB imaginar que estava no campo, entre vaquinhas mugindo... Conseguiu evitar o pensamento do crédito agrícola e aos poucos o tratamento começou a funcionar.
Lucineide viu que a felicidade voltaria. Os amantes se enlaçaram num beijo longo e de novo os dois pareciam um só corpo, no mesmo ritmo. Súbito, JHB caiu de novo para o lado.
- Tenho que estimular as exportações! Parece mentira! Nós editamos uma medida provisória, isentando as exportações da Cofins, o imposto em cascata. Sabe o que aconteceu? Até hoje a isenção não foi regulamentada! Pode uma coisa dessas?
JHB andava nu e dava murros na parede.
- O Brasil é muito devagar, tudo frouxo... nada rola -replicou Lucineide, num tom ambíguo e vagamente acusatório...
JHB arrastou-se até a pia do banheiro de granito rosa e ficou olhando o rosto no espelho, em cava depressão. Lucineide sentiu pena do pobre economista. Encostou o corpo nele com carinho, mas ele a afastou com a mão, sentando-se na borda da banheiro de hidromassagem.
- Lucineide... Eu tenho uma confissão a fazer... Mas você não conta a ninguém, senão sai na imprensa...
- Claro, amor, pode confiar em mim... Eu, antes de tudo, sou sua colega de BNDS. Que foi?... Conta... Algum problema sério?... Fala tudo.
As mãos de JHB tremiam e sua voz saiu como um gemido.
- Lucineide... Eu temo que... Mesmo que possamos exportar, o imediatismo do mercado mundial nos condenará a nichos restritos, indicados pelo protecionismo dos países da G-7, deixando-nos numa posição secundária no mundo globalizado.
Lucineide tremia.
- E então, amor, que fazer?
A voz de JHB vinha espessa e lenta.
- Terei que manter os juros altos, para atrair capital externo e financiar o déficit público.
- E se fizermos as reformas?
- O Congresso conservador não deixa.
Lucineide abraçou-o com ardor. Uma idéia lhe queimava o corpo lindo. Ela mordeu com força o ombro do amante. Em sua dor, JHB caiu na cama redonda de cetim, enquanto Lucineide soprava sensualmente em seu ouvido:
- Reformas sim, meu amor... A gente fecha o Congresso!
Os beijos ficaram mais ardentes. JHB em seu delírio via o Congresso fechado com cadeado enferrujado e teia de aranha. Os gemidos da TV pornô vibraram no ar. E os gritos de Lucineide se somaram a eles: "Meu nome é Lucineide Fujimori, Fujimori!... Meu homem, meu amor..."
A luz lilás brilhava como uma esperança de progresso e JHB viu subir no espelho a prova de que era finalmente um grande amante. Era feliz.

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