São Paulo, terça-feira, 10 de dezembro de 1996
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O Estado e a modernidade

ANDRÉ LARA RESENDE

Bresser Pereira é ministro da Administração Federal e Reforma do Estado. A reforma do Estado na denominação do ministério, com certeza, foi exigência do próprio Bresser.
Há tempos que Bresser diagnostica na crise do Estado o cerne da crise econômica dos países em desenvolvimento e da América Latina em particular.
Segundo Bresser, a crise do Estado é simultaneamente uma crise fiscal, onde o déficit crônico levou ao desaparecimento do crédito público, uma crise das formas de intervenção e regulamentação da economia, exauridas pelo excesso, e, finalmente, uma crise da administração burocrática, cuja extensão tornou-a enrijecida e ineficiente.
Embora o diagnóstico possa ser compartido com o que se convencionou chamar de neoliberalismo, Bresser rejeita a proposta de redução do Estado a mero garantidor da propriedade e dos contratos. O caminho é o Estado Social-Liberal.
O Estado que não abdica das responsabilidades pelos direitos básicos à saúde e à educação, mas que ao invés de atuar diretamente passa a dar apoio a organizações públicas não-estatais. O Estado deixará assim de ser burocrático sem abandonar seu caráter social.
Essa é a tese central do novo livro que o ministro acaba de publicar -"Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil"-, que deve ser lido por todos que se interessam pelo tema. Em artigo recente na Folha, Bresser cita Claude Lefort, segundo quem a questão não é o restabelecimento do Estado abrangente e paternalista, mas saber se ainda há no espírito democrático a capacidade de se opor à cegueira do capitalismo. Essa é a questão de nossos dias, conclui Bresser.
Estou de pleno acordo. Apenas desconfio -infelizmente- do relativo otimismo quanto à solução. Não me incluo entre os que o ministro chamou na introdução de seu novo livro de modernos conservadores, pessimistas intelectualmente sofisticados, segundo os quais as funções sociais do Estado deveriam ser eliminadas, pois pior do que as falhas do mercado são as falhas da ação do Estado.
A cegueira que Lefort atribui ao capitalismo me parece ter raízes mais profundas. O capitalismo é apenas a face exposta do triunfo da razão instrumental que está na essência da modernidade: a convicção de que o homem é o que faz e que a sociedade e a economia devem ser regidas pela eficiência ditada pela ciência e pela tecnologia.
A razão iluminista substituiu a arbitrariedade e a violência pelo Estado de Direito e as restrições do fundamentalismo religioso pela liberdade do individualismo subjetivo.
Conquistas extraordinárias, sem dúvida, mas o otimismo inicial, segundo o qual a humanidade iluminada pela razão prosseguiria em direção à abundância, à liberdade e à felicidade, não parece ter se confirmado. Liberdade, sem dúvida. Abundância, sim, mas sem equidade. Quanto à felicidade, o que dizer?
A verdade é que a grande vítima da substituição de uma verdade revelada pelo subjetivismo individualista foi a compaixão e o espírito comunitário.
Não é à toa que temos grandes dificuldades em definir o papel do Estado. Como fazê-lo se não encontramos mais fins comuns? Volto então à tese de Bresser. De onde virá a iniciativa da criação das tais organizações públicas não-estatais e como determinar quais delas merecem o apoio do Estado num mundo em que o espírito público e a cidadania estão em crise profunda?

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