São Paulo, sexta-feira, 13 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'O Holandês Voador' é tortuoso e obscuro

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

A lenda do Holandês Voador, ao menos em sua versão mais conhecida, fala de um aventureiro que, por escolher a mulher errada, é condenado a passar a eternidade errando em seu navio. É a história de "O Navio Fantasma", a ópera de Wagner.
Jos Stelling (de "O Ilusionista") modifica a fábula e de certo modo a inverte. Em seu filme, a história do Holandês se passa no século 16, e o herói será o único sobrevivente de um massacre de holandeses promovido pelos espanhóis (por causas religiosas, de sucessão, ambas? O filme é vago sobre isso).
A desgraça do personagem deriva, em boa parte, do fato de encontrar a mulher certa. Ou seja, a mulher de um fazendeiro, de quem terá um filho, fruto de uma relação amorosa fugaz e feliz.
Resumindo: a eternidade do Holandês, na versão Stelling, se dá pela reprodução e pela fantasia.
Os seres se perpetuam na medida em que têm filhos e, também, em que conseguem fabricar histórias capazes de ocupar a imaginação.
Daí "O Holandês Voador" ter dois centros. Um deles são os sucessivos herdeiros do Holandês (René Groothof). O outro é o menestrel italiano (Nino Manfredi) que, entre outras, afirmará que a lenda é sua invenção.
Há, portanto, dois primados orientando a narrativa. Um é o da vida contra a morte (a perpetuação ao longo das gerações, mesmo na adversidade). O outro é o do imaginário (a capacidade de criar histórias é o que vincula pais, filhos, idéias, nações).
Isso é, mais ou menos, o que dá para entender do filme, já que Jos Stelling, como bom diretor de filmes "de arte", parece fazer da narrativa obscura uma espécie de ponto de honra. A rigor, sem libreto para explicar a ação não dá para entender muita coisa.
E, com libreto, a questão é saber se vale a pena enfrentar os 128 intermináveis minutos de filme.
Stelling desenvolve ali a tradição escatológica do cinema holandês (representada por fossas cheias de fezes, onde pessoas são jogadas de tempos em tempos, pela presença de seres deformados etc.).
Seria preciso conhecer melhor esse país para entender esse costume (que tem chegado a nós por meio de filmes quase sempre desinteressantes).
No caso de "O Holandês Voador", a tortuosa viagem cultural de Jos Sterling desemboca no trinômio obscuridade, obscenidade e obviedade.
A obviedade é o aspecto que falta tocar. O mais grave, talvez, porque a todo o cuidado para demarcar o caráter cultural do produto corresponde uma separação entre "bons" e "maus" digna de um filme infantil hollywoodiano.
Para terminar: a filmagem é aplicada e sem inspiração.

Filme: O Holandês Voador
Produção: Hol/Bél/Ale, 1995
Direção: Jos Stelling
Com: René Groothof, Veerle Doberdaere, Nino Manfredi
Quando: a partir de hoje, no cine Belas Artes/Sala Villa-Lobos

Texto Anterior: "Pic Nic"é um desafio à criatividade
Próximo Texto: Reestréia clássico moderno de Antonioni
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.