São Paulo, sexta-feira, 13 de dezembro de 1996
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Reestréia clássico moderno de Antonioni

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DO MAIS!

Oba! Depois do retorno do mestre Michelangelo Antonioni com "Além das Nuvens", a reestréia, em cópia nova, de "O Passageiro - Profissão: Repórter" faz até suspeitar da existência de Papai Noel.
O filme, realizado em 1975, enquadra-se perfeitamente na categoria, hoje necessária, do clássico moderno. Sob essa rubrica, podem-se incluir todas as obras que permitem reconhecer no cinema um meio de produzir arte.
Antonioni vinha de dois projetos frustrados -um filme sobre a China comunista, que chegou a ser rodado e permanece "invisível", e "Tecnicamente Doce", que não chegou a ser filmado.
O roteiro de "O Passageiro" caiu nas mãos do diretor acompanhado de uma certa urgência.
O ator convidado, o então emergente Jack Nicholson, tinha prazos estreitos para participar do projeto. Antonioni não hesitou. Embarcou na aventura mesmo sem a segurança de um controle completo sobre a idéia original, como tinha o costume de trabalhar.
Ao resultado pode-se aplicar um esquema interpretativo que alguns críticos franceses gostam de utilizar -a idéia do "filme como diário das filmagens".
Vê-se como Antonioni partiu de uma sugestão dramática forte -um homem que abandona sua identidade- e a submeteu a um tratamento autoral. Nesse caso, à autoria se acrescenta um experimentalismo técnico que, mesmo 20 anos depois, mantém o espectador boquiaberto.
A nova identidade de David Locke (Nicholson) é perigosa, pois ele assume o lugar de um traficante de armas de um país africano.
Com Antonioni, esse lado anedótico é quase suprimido. E isso significa ganho para o espectador. O que se oferece aqui é um cinema com vocação metafísica. Ou seja: que questiona a naturalidade com que encaramos o mundo.
O princípio é simples. A profissão de repórter impõe uma despersonalização em proveito da objetividade. Ao abandonar sua função -investigar e relatar-, Locke perde a crença na objetividade.
Essa experiência se transfere para o espectador ao assistir o filme. A confiança de qualquer um em sua percepção e a certeza de estar testemunhando uma situação "verdadeira" vão para o além.
Na última sequência do filme, uma cena integral filmada sem cortes -célebre plano-sequência que dura sete minutos-, Antonioni leva a cabo esse projeto antiilusionista.
Ou será que testemunhou um caso raro de revelação?

Filme: O Passageiro - Profissão: Repórter
Produção: Itália/França/Espanha, 1975
Direção: Michelangelo Antonioni
Com: Jack Nicholson, Maria Schneider
Quando: a partir de hoje, no CineSesc

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