São Paulo, sábado, 14 de dezembro de 1996
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Brasil fica fora da 'festa' dos países ricos

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A CINGAPURA

A Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio) acabou se transformando em uma festa para um punhado de países ricos ou em acelerado desenvolvimento e excluiu o Brasil.
Motivo da festa: ficou praticamente acertado o ITA (Acordo sobre Tecnologia da Informação), que prevê zerar as tarifas de importação, até o ano 2000, de todos os produtos de informática, de supercomputadores a "chips" de memória.
"É um marco", festejou Charlene Barshefsky, a xerife do comércio norte-americano, que até recebeu telefonema do presidente Bill Clinton para "expressar seu contentamento".
O acordo é, de fato, imponente: envolve produtos cuja exportação, em 1995, bateram na casa de US$ 595 bilhões, cerca de 90% de todas as riquezas que o Brasil produz anualmente (o seu PIB, Produto Interno Bruto).
Mas está restrito a 28 países (incluindo os 15 da União Européia), que respondem por cerca de 85% do comércio nessa área vital, exatamente a que mais cresce nos intercâmbios mundiais.
Sem festejar
Convidado, o Brasil não aderiu, porque "não quer ser um empório de importações", como alegou o ministro da Indústria, do Comércio e do Turismo, Francisco Dornelles.
E, fora do ITA, não há motivos para ninguém mais festejar com a Declaração Ministerial da Conferência de Cingapura. Ou tampouco para lastimar-se.
Afinal, ela "não cria obrigações no curto ou mesmo no longo prazo", admite José Alfredo Graça Lima, chefe do Departamento Econômico do Itamaraty e principal negociador brasileiro.
Com todo o cuidado que a sua posição impõe, Graça Lima admite também que a reunião de Cingapura deixou evidente que "há um descompasso entre a agenda do Brasil e a dos países desenvolvidos".
O Brasil queria discutir, acima de tudo, a implementação do que já havia sido combinado na Rodada Uruguai, que durou oito anos (de 1986 a 1994) e foi a mais ampla liberalização comercial jamais realizada no mundo.
Os ricos (e seus parceiros exportadores de produtos de alta tecnologia) queriam dar novos passos, em áreas não cobertas pela Rodada Uruguai. Deram e tiveram o que comemorar.
Para o Brasil, ficou uma mensagem, sempre na visão de José Alfredo Graça Lima: "O ITA sinaliza que há necessidade de que a indústria brasileira de informática acelere a sua produtividade para poder competir".
Furo no sistema
Ficou igualmente o risco de que o "descompasso" de agendas se perpetue.
Graça Lima interpreta como "um furo no sistema" o fato de um grupo pequeno de países (28, entre os 128 que estão representados na OMC) ter feito um acordo tão ambicioso cobrindo um setor específico.
Motivo: "Privilegia um setor em detrimento dos outros".
Em todas as negociações anteriores, no âmbito do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, antecessor da OMC), as negociações envolviam vários setores e todos os países-membros.
Podiam-se, portanto, trocar concessões. Por exemplo, um país cedia na abertura de sua indústria em troca da possibilidade de acesso a outros mercados para a sua produção agrícola.
No caso do ITA, não. O Brasil, que não é um país produtor de bens de alta tecnologia, tinha que escolher entre abrir o seu mercado de informática, sem nada em troca, ou ficar do lado de fora da festa dos ricos. Ficou.

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