São Paulo, sábado, 14 de dezembro de 1996
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A teimosia dos franceses

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

O governo e seus porta-vozes finalmente abandonaram a atitude irrealista de negar os efeitos da valorização cambial e da queda abrupta de tarifas sobre o desempenho da balança comercial brasileira. As exportações crescem abaixo da média mundial e latino-americana, enquanto as importações vêm avançando a um ritmo bem superior àquele apresentado pelos parceiros e concorrentes.
Não há mais como negar que os coeficientes de importação de todos os setores da economia, particularmente os da indústria, sofreram mudanças dramáticas, provocando um "encolhimento" das cadeias produtivas (partes, peças e componentes), afetando a geração doméstica de valor agregado.
Por isso mesmo, foi desfeita a ilusão que prometia um crescimento médio anual de 5% sem pressões significativas sobre o déficit comercial.
Diante dos fatos, os apóstolos de Fernando contam aos céticos uma parábola: a eventual desaparição dos setores, redução do valor agregado das cadeias produtivas, o enxugamento das empresas são considerados benéficos e necessários para tornar mais eficientes os sistemas industriais.
Nessa perspectiva, seriam muito elevados os ganhos de produtividade (e, provavelmente, de escala), a ponto de compensar com sobras as desvantagens criadas pela valorização cambial. Além disso, o investimento estrangeiro -atraído pela estabilidade e pela abertura comercial- desempenharia um papel chave como veículo do progresso tecnológico e organizacional, contaminando os produtores nacionais. A economia revigorada seria capaz de recuperar o forte ímpeto exportador.
O problema dessa narrativa confortadora é que seus ensinamentos, pelo menos até o momento, têm sido rejeitados pela experiência. A mesma história foi contada a mexicanos e argentinos.
Num livro recente em que avaliam os resultados da "desinflação competitiva" dos franceses, economistas como J.P. Fitoussi, Edmond Malinvaud, Robert Solow e Edmond Phelps concluem que os efeitos dessa estratégia sobre a competitividade externa e sobre os investimentos são tão lentos que se tornam imperceptíveis.
Assim como muitos analistas brasileiros, aqueles autores entendem que as economias entregues à disciplina do mercado ou a processos espontâneos de ajustamento simplesmente não saem do lugar. Esses franceses são muito teimosos.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, 54, é professor titular de economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney).

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