São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 1996
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Em defesa da sociedade

MILTON FLÁVIO

A Constituição Federal prevê a participação da sociedade, por meio de conselhos e associações, em diversos setores da administração pública. De certa forma, essa medida contribuiu para que, em muitos locais, obtivesse-se uma gestão mais democrática e transparente de saúde, educação e segurança. Em diversos Estados e municípios, as audiências públicas são procedimentos corriqueiros, que precedem a elaboração e aprovação dos Orçamentos.
A comunidade acadêmica, no entanto, tem demonstrado pouca sensibilidade para essas mudanças. Auto-suficiente, elitizada e distante da sociedade, confia exclusivamente nos seus mecanismos de auto-avaliação.
Qualquer crítica que lhe seja feita por setores não pertencentes aos seus quadros é considerada interferência indevida, uma ameaça à sua autonomia. Em outras palavras: a universidade pública resiste à idéia de ser submetida ao que se convencionou chamar de controle social.
Não se ignora a importância da autonomia financeira para o desenvolvimento e fortalecimento das universidades paulistas. Obtida por decreto e num período de grande tensão entre o funcionalismo público, ela se consolidou a partir do momento em que o governo do Estado passou a destinar um percentual do ICMS para USP, Unicamp e Unesp. Hoje, incluindo os recursos destinados à Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp), o governo paulista destina mais de 10% do Orçamento para o setor.
Os recursos, porém, continuam sendo considerados insuficientes por reitores, professores e alunos. Ainda que se reconheça a qualidade das três instituições, é necessário lembrar que elas atendem apenas uma pequena parcela dos estudantes universitários. A maioria é obrigada a frequentar universidades particulares -em geral caras e com menor qualidade de ensino.
Os reitores alegam que precisam investir na incorporação de novas tecnologias, em reformas físicas e na manutenção da qualidade dos cursos. Essas prioridades, segundo eles, dificultam a ampliação do número de vagas. A meu ver, essa tese é discutível. Afinal, ninguém ignora que, principalmente no período noturno, equipamentos e professores qualificados permanecem ociosos.
Acredito ter chegado a hora de as universidades públicas reavaliarem seus quadros, desempenho e compromissos. A nação precisa de uma universidade capaz de responder objetivamente aos desafios que lhe são colocados diariamente, de uma universidade menos preocupada em aprimorar sua face primeiro-mundista e mais compromissada com a tarefa de resgatar da miséria boa parte da população brasileira.
A Constituição do Estado de São Paulo prevê a participação de todos os segmentos da comunidade acadêmica nos órgãos decisórios e na escolha dos dirigentes universitários. A medida, embora salutar, é insuficiente. É preciso ir além. É imperioso regulamentar e aplicar o dispositivo constitucional que prevê formas de participação da sociedade na aplicação dos recursos públicos, até para que tenhamos instituições mais voltadas para a nossa realidade. A autonomia universitária não exclui o controle social. Afinal, é a sociedade, sempre ela, quem paga a conta.

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