São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Agências do interior

HELCIO EMERICH

Lá como cá é dura a vida de uma pequena agência de propaganda. Se numa cidade brasileira como Ribeirão Preto há mais de cem agências disputando as minguadas verbas dos anunciantes locais, imagine o nível de competição no mercado publicitário do interior dos Estados Unidos.
Pois foi em Sacramento que a dupla Marsha Coupé e David Shiomoto resolveram abrir o seu próprio negócio. Ela profissional de planejamento e ele diretor de criação. Sacramento (como Ribeirão Preto) não é nenhuma aldeia e sim a capital do Estado da Califórnia, um dos mais ricos da América. Mas está ainda algo distante dos tentáculos dos megagrupos de comunicação dos EUA e isso animou Marsha e David a iniciar sua maratona pela conquista de clientes na região.
Tenho alguma experiência no trato com anunciantes do interior de vários Estados do Brasil e, ao ler a história da Coupé & Co., publicada num caderno de negócios de um jornal da Califórnia, não foi difícil perceber que aqui e lá existem mais semelhanças do que diferenças no relacionamento entre pequenas agências e pequenos clientes.
Marsha lembra o caráter missionário de quase todos os seus primeiros contatos com os "prospects", na tentativa de convencê-los a abandonar posturas conservadoras e provincianas em favor de campanhas mais ousadas.
Por não abrir mão da criatividade, a Coupé multiplicava os atritos no relacionamento com seus clientes. Desde logo era preciso deixar claro para o anunciante que ele não tinha que se envolver no processo criativo da agência nem "ajudar" na redação de títulos e textos.
Para a empresa de casas pré-fabricadas Calton Home, que insistia que seu comercial deveria ter o surrado clichê de uma família tradicional posando feliz em frente ao novo lar e dizendo "Nós amamos nossa casa Calton", a agência conseguiu vender um filme em que apenas um cãozinho "falava" da sua satisfação por comer na nova cozinha ou brincar nos amplos quartos e corredores da casa. Foi uma briga para aprovar, mas o comercial deu "recall" de 70%, um recorde para anunciantes da região.
A própria maneira de a agência prospectar novos clientes gerou polêmica em Sacramento. Seu portfólio descrevia a dupla Marsha e David como "gênios do marketing e da comunicação, com o apetite de um lenhador, o faro de um detetive, o entusiasmo de um pregador pentecostal e as qualidades de liderança de um Charles de Gaulle". Um shopping center da cidade limitou-se a devolver o folheto com uma anotação na capa: "Não estamos interessados nisso."
A aprovação de orçamentos para a produção de comerciais e anúncios foi outra batalha enfrentada pelos gladiadores da Coupé.
Condicionados pelo tamanho e pela limitada ambição dos seus negócios, os anunciantes da região ainda teimavam em avaliar os custos da propaganda sob a ótica da despesa e não do investimento.
Resistindo à idéia de que uma peça publicitária mais elaborada e mais cara pode significar um ganho várias vezes maior de atenção e interesse por parte dos consumidores, eles preferiam comprimir ao máximo os custos de produção, acabando por nivelar por baixo a qualidade da sua comunicação. Se você é publicitário do interior do Brasil, tenho certeza que já viu esse filme.

Texto Anterior: Câmara de conciliação é criada pela Federação do Comércio
Próximo Texto: Crescem incentivos para novas produções culturais
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.