São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O efeito Vaporetto e outras boas notícias

JOÃO SAYAD

Tenho o mau hábito de repetir em voz alta o que as pessoas me dizem. Em aula, repito as perguntas dos alunos para compreendê-las bem. As pessoas acham graça. Na realidade estão achando graça do mau hábito e do que elas próprias disseram. Não concordam com a reprodução do seu raciocínio: as suas próprias palavras repetidas parecem falsear o sentido original do que queriam dizer.
Nesta semana, vou repetir argumentos otimistas que apareceram na imprensa e no depoimento de outros economistas.
Ouvi e li todos os argumentos com respeito e dúvidas. Se muitas vezes parece que os trato com ironia, não quer dizer que desconfio deles mais do que das minhas próprias previsões. A ironia é apenas proteção epistemológica adequada que uso para meus pontos de vista e parece justo oferecê-la ao dos outros.
1) O presidente anunciou que pode inaugurar uma obra viária por dia.
2) No rádio do carro, ouvi que o Ministério da Ciência e Tecnologia estima que vamos exportar bilhões de dólares em software neste ano.
3) O mercado financeiro não acha que é necessário qualquer desvalorização cambial para incentivar as exportações.
4) Um economista está esperando o efeito Vaporetto: depois de vender uma quantidade enorme desses aparelhos no Brasil, a empresa resolveu se instalar no país para produzí-los aqui.
Existe a possibilidade de um processo de substituição de importações espontâneo que se multiplica: em automóveis, televisões, computadores etc. O efeito Vaporetto pode promover o equilíbrio da balança comercial. Não seria preciso aguardar apenas o aumento de exportações.
5) A inflação neste ano é menor do que 10% e será menor ainda no ano que vem.
6) Auditores e homens de empresa imaginam que, obedecendo apenas três regras -"aliança estratégica, atendimento ao cliente, foco e especialização"-, conseguem ganhos de produtividade para compensar qualquer aumento de preços internos relativamente à taxa cambial.
7) Fala-se em investimentos diretos no ano que vem de US$ 12 bilhões, ainda que alguns observadores estimem que possam chegar a US$ 20 bilhões. Valor mais que suficiente para cobrir a diferença entre exportações e importações no ano que vem.
8) Se o dinheiro que entra no país é para investimentos diretos, a taxa de juros fixada pelo Banco Central pode ser menor. O prejuízo que o Banco Central tem tido para atrair dólares pode se reduzir e, consequentemente, menor será o déficit público.
9) A reeleição pode ser aprovada antes de março de 97.
10) O emprego informal está aumentando mais do que o desemprego formal.
11) A construção civil está fazendo novos lançamentos e vendendo bem.
12) O sistema educacional de São Paulo está sendo reformulado e melhorando sensivelmente. Os de Minas, Rio Grande do Sul e Ceará também têm melhorado.
13) O governo estadual de São Paulo deixará as finanças em absoluta ordem nos próximos dois anos, com a renegociação da dívida do Banespa e a privatização do setor elétrico.
16) Provavelmente, a mesma coisa está acontecendo em alguns outros Estados.
17) Se a reeleição for aprovada, os governadores atuais poderão realizar as obras possíveis depois de tantos sacrifícios. Se não for aprovada, serão os novos eleitos os que vão poder se divertir.
As notícias indicam que as coisas estão andando. Os governos estadual e federal investem em infra-estrutura. A tecnologia produzida no país é de qualidade para ser exportada. Os investimentos em educação vão muito bem.
Eu estava errado. Esperava ansioso por projetos de exportação, grandes projetos na área social, investimentos pesados em infra-estrutura. Talvez as coisas aconteçam sem alarde e continuamente.
Talvez todas essas coisas boas estejam de fato ocorrendo, como indicam as notícias e, aflito, eu não conseguia enxergar direito. Ou me perdi na retórica econômica, que é menos convincente do que os resultados anunciados.
Falta uma semana para o Natal, duas para o fim de ano -será que é por isso que estou mais otimista? Será que desconfio do meu otimismo porque estou ficando velho e ranzinza? É muito difícil prever o futuro. A verdade só aparece depois que aconteceu.

Texto Anterior: Aposta no "mercoturista"; Dinheiro externo; Para anjinhos; Gangorra e vídeo; Conta dolarizada; Dinheiro de plástico; No ritmo do PIB; Nova logística; Adaptação forçada; Na ponta do lápis; Economia e política; Outra agência; Bit acelerado; Entre representantes
Próximo Texto: O PDV na prática
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.