São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 1996
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O PDV na prática

FLÁVIO KOUTZII

O plano de demissões voluntárias provoca anarquia administrativa, desqualifica o serviço público e tem resultados duvidosos em termos econômicos. O mínimo que se espera de um processo de demissões é um diagnóstico que indique onde há funcionários em excesso e onde a folha está inchada. A menos que a intenção seja destruir e não racionalizar.
O PDV parte de uma lógica contrária. Com o álibi de aliviar a folha de pagamentos, o plano anuncia premiações a servidores que se disponham a sair, não interessando sua importância, sua qualificação ou a área onde prestam serviço.
No Rio Grande do Sul, a meta era demitir 15 mil funcionários em todas as áreas e reduzir a folha em 8%. Para isso, foi feito um empréstimos de R$ 150 milhões junto à Caixa Federal, com cláusulas leoninas, que ferem a autonomia do Estado e alienam patrimônio público, como constatou o Tribunal de Contas.
Na prática, o resultado foi trágico. Cerca de 77% dos quase 10 mil demissionários voluntários da administração direta vêm de setores essenciais do serviço público. Portanto, estão longe da caricatura do burocrata inoperante, que pendura o casaco na cadeira e finge que trabalha. Este, provavelmente, não adere a planos tipo PDV.
Isso aconteceu porque o PDV gaúcho foi implantado com requintes de crueldade. A princípio, o governo Britto criou um quadro especialmente perverso para os servidores, com a eliminação de adicionais, aumento dos descontos, atrasos sistemáticos de pagamento e descumprimento da Lei de Política Salarial criada pelo próprio governo.
Então, o governo tira salário, aumenta descontos, aperta aqui, assusta ali e depois diz: "Meus senhores, minhas senhoras, está aberto o voluntariado para irem embora caso achem que estão mal remunerados." Evidentemente, essa preparação do governo do Estado gerou desestímulo, insegurança e problemas de toda a ordem, que serviram de combustível para a adesão "voluntária".
Outro prejuízo inegável: ninguém tem dúvida de que o PDV desfalca do serviço público seus melhores quadros. Um funcionário público qualificado, requisitado pelo mercado de trabalho, é mais aberto à possibilidade de sair embolsando uma boa indenização do que um servidor com menor qualificação profissional. A qualidade do serviço público cai, e quem perde é o cidadão, que continua pagando os mesmos impostos por um serviço público pior.
Os resultados são distorções visíveis, como escolas sem professores, postos sem médicos, falta de policiamento. No porto de Rio Grande, por exemplo, 90% dos que trabalham com guindastes aderiram ao PDV, obrigando o governo a negociações de emergência com o sindicato dos portuários. O zoológico de Sapucaia ficou com apenas um veterinário. O Hospital Psiquiátrico São Pedro fechou vários setores de atendimento a doentes mentais. Os projetos de despoluição do Guaíba, que aguardam recursos do Banco Mundial, por enquanto estão inviabilizados pela falta de servidores de controle ambiental.
Em muitos setores essenciais, o governo teve que contratar servidores para substituir os que saíram e, em outros, teve que terceirizar serviços, esvaziando a própria justificativa econômica do PDV.
Como o PDV não nasceu de qualquer forma de planejamento, os custos de recauchutagem da máquina pública pós-plano são imprevisíveis, para não dizer descontrolados.
Quando essa questão foi colocada para um alto escalão do governo, ele saiu-se com essa: "Isso é positivo porque vai arejar a administração pública." Quer dizer, todo esse gasto e essa confusão podem ter servido apenas para arejar a máquina...
O governo usa dinheiro público para pagar indenizações e premiações aos que saem, para pagar os que os substituem, pagar os custos de concursos e recrutamento, contratar empresas para fazer o trabalho dos que saíram ou está simplesmente fechando serviços a que a população tem direito.
Aí está uma visão de Estado ao gosto do neoliberalismo. O contribuinte quer um serviço público eficiente, voltado aos seus interesses, ágil e qualificado.
O PDV se vale desses argumentos, mas, na prática, não responde nenhuma dessas questões. Quando se trata de agir, a ordem é desmontar. O PDV significa a renúncia a um serviço público de qualidade.

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