São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O turismo e o câmbio

CELSO PINTO

A revoada de brasileiros para fora do país, neste final de ano, deverá fazer com que o déficit em viagens ao Exterior, que chegou a US$ 3,2 bilhões até novembro, feche o ano em torno de US$ 3,8 bilhões.
Será um salto gigantesco do buraco produzido pelo turismo externo. Antes do Plano Real, em 1993, o déficit em viagens internacionais foi de US$ 799 milhões. Três anos depois, deverá ser quase cinco vezes maior.
Os US$ 3,8 bilhões do turismo são mais do que o déficit na balança comercial (importações menos exportações) do ano passado, de US$ 3,1 bilhões. Não ficarão muito longe do déficit comercial deste ano, previsto para US$ 5 bilhões. A grande diferença é que, enquanto o déficit comercial gera discussões acaloradas, medidas e incentivos à exportação, o déficit de turismo cresce silenciosamente.
Existe, contudo, um forte parentesco entre ambos. O que aconteceu com as viagens no Exterior não foi que a classe média ficou, subitamente, milionária. O preço das viagens em dólares é que ficou acessível, ajudado pela valorização do real frente ao dólar. A mesma valorização que tem multiplicado as importações e atrapalhado as exportações.
Não é difícil encontrar exemplos. Basta uma olhada nos cadernos de turismo deste final de ano para descobrir que uma semana num cinco estrelas na Bahia pode custar mais caro do que uma semana em Nova York, ou mesmo Londres e Paris.
Em parte, sem dúvida, pela falta de mais concorrência no transporte aéreo, o que permite às empresas de aviação repassar sua ineficiência ao preço das passagens. Os ensaios de resposta de Brasília a essa situação, até agora, tem sido o oposto do que deveria: em lugar de abrir mais o mercado, fala-se em proteger as empresas nacionais ainda mais.
Também é verdade que os hotéis, como outros serviços não sujeitos à concorrência do similar importado, aproveitaram o Plano Real para dar um salto nos preços. Na medida em que o setor se mantenha atraente, a oferta acabará aumentando, e o preço, caindo, mas isso depende de investimentos que amadurecem a mais longo prazo.
A essa relativa ineficiência interna se soma o efeito poderoso do câmbio sobrevalorizado, que torna o preço externo relativamente mais barato em reais. Assim como no caso da balança comercial, é discutível imaginar que apenas um esforço para reduzir o chamado "Custo Brasil" bastará para impedir a escalada do déficit externo do turismo.
Enquanto os gastos com turismo dispararam, um item que tem ajudado bastante as contas externas nos últimos anos, está encolhendo: as "transferências unilaterais". Esse item esconde principalmente o dinheiro remetido pelos "dekasseguis", os descendentes nipônicos que saíram do Brasil para trabalhar no Japão.
No ano passado, as "transferências unilaterais" deixaram um saldo líquido favorável ao Brasil de US$ 3,973 bilhões. Ou seja, mais do que compensaram o déficit comercial. Neste ano, até novembro, o saldo ficou em US$ 2,7 bilhões, enquanto o déficit comercial já chegou a US$ 3,7 bilhões.
O resultado é que o déficit externo global, o déficit em transações correntes, que inclui mercadorias e serviços, está crescendo mais do que apenas o buraco da balança comercial. De janeiro a novembro, ele ficou em US$ 19,3 bilhões. Conforme o resultado da balança comercial de dezembro, ele poderá fechar o ano em torno de US$ 21 bilhões.
Graças à nova metodologia de medir o Produto Interno Bruto (PIB) em dólares correntes, recém adotada pelo Banco Central, um déficit desse tamanho continuará dentro do limite de 3% do PIB considerado prudente pelo mercado financeiro (pela metodologia antiga do PIB ele estaria acima). O buraco foi facilmente financiado neste ano.
O problema é a tendência. O buraco externo vai continuar sua escalada, e a balança comercial é a parte mais expressiva, mas não a única, do problema.

Texto Anterior: Pai não consegue 'segurar' filhos
Próximo Texto: Aos 99, Barbosa Lima combate reeleição
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.