São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 1996
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Quando a arte inveja o esporte

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Meus amigos, meus inimigos, há alguns anos venho divulgando a constatação, exposta em discussões internas da Folha, em palestras e em alguns artigos, de que o esporte ocupa, cada vez mais, espaço na chamada indústria do entretenimento.
Baseado nas minhas anotações de observador interessado, procurava alinhavar fatos demonstrando que:
a) o esporte propicia os únicos megaeventos em escala mundial (Olimpíada e Copa do Mundo, por exemplo);
b) a televisão procura cada vez mais o esporte;
c) o esporte influencia cada vez mais o comportamento e os modismos (tênis, boné etc.);
d) os salários das estrelas do esporte são cada vez maiores, ultrapassando -ou em vias de ultrapassar- os das estrelas de cinema e da música;
e) há vários segmentos industriais importantes envolvidos com o esporte: o alimentício, o de bebidas leves, o de vestuário, o farmacêutico -responsáveis por grandes inversões publicitárias;
f) a própria indústria de cinema se interessa cada vez mais por ídolos do esporte, caso do filme "Space Jam", que está aí nos cinemas para não me deixar mentir;
e) se a pauta do futuro da economia mundial está nos serviços, o esporte só poderá crescer ainda mais (dizem que, nos EUA, o dinheiro que gira em torno do esporte já chegou a cerca de 5% do PIB);
f) quanto mais mecanizado o mundo, mais interesse teria o esporte, como resíduo da imprevisibilidade humana.
Enfim, com outros indícios menores, compõem-se o quadro da presença cada vez mais importante do esporte na chamada indústria da diversão.
Leio agora, na revista do "The New York Times", um artigo interessantíssimo, assinado por Michiko Kakutani, sobre as ligações entre o esporte e a indústria da arte.
O artigo começa constatando que algumas das melhores narrativas do ano não foram tiradas de romances, filmes ou peças de teatro, mas de eventos esportivos.
"Em uma época em que os filmes parecem mais e mais previsíveis, em que os romances parecem não ter entrecho (...) não é surpresa que o esporte chega para ocupar espaço proeminente no imaginário comum", afirma.
"Eu penso que existe na arte uma inveja do esporte", declara à revista o autor de peças de teatro Wendy Wasserstein. "A última vez que um vi um jogo dos Knicks, eu pensei: não consigo imaginar o que nós podemos fazer que conseguiria segurar pessoas como essas."
O artigo, que se chama "Fazendo Arte do Esporte", estabelece também um paralelismo entre artistas e esportistas.
Ele afirma que o "esporte pode prover muitas das mesmas satisfações emocionais que a arte provém" e que "atletas raramente se comparam com artistas, mas artistas estão constantemente se comparando com atletas".
Michiko Kakutani conclui brilhantemente: "O esporte oferece um drama que não requer metáforas, não requer alegorias; um drama no qual a perfeição não é um abstrato conceito, mas uma meta -uma meta tão simples quanto a perfeita rebatida, o perfeito chute, o perfeito jogo".

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