São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 1996
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"Sólti suas féra?"

GUSTAVO BERG IOSCHPE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Chega o final do ano e fica visível mais uma diferença que separa os vestibulandos do resto dos mortais. Ano de vestibulando não termina no dia 31 de dezembro -só acaba quando sai o listão.
No dia 31 todos os mortais comuns estão comemorando o fim do ano que passou e reafirmando, com a ajuda de alguns litros de champanhe, que nos próximos 365 dias sua vida será radicalmente diferente: a pança disforme vai virar uma parede de abdominais, a conta no banco vai ficar tão polpuda que o gerente vai convidar para o cafezinho e a secretária do gerente vai convidá-lo para um jantar a dois etc.
Vestibulando sabe que a sua vida no ano seguinte vai mesmo dar uma guinada, desde que passe no exame. Caso contrário, será mais um ano de pressões, estresse e aquele professor chato de biologia cuspindo enquanto berra ao microfone.
Essa diferença de perspectivas entre vestibulandos e iludidos se reflete no comportamento dos dois grupos. Enquanto as pessoas comuns estão preocupadas em saber onde conseguir a próxima dose, vestibulando está angustiado, imerso em cálculos, perdido em fórmulas, nomes e histórias.
Aí é que problemas podem acontecer. Pode o distinto candidato embaralhar tudo depois de algumas taças, e sair com a idéia de que Napoleão disse "Meu reino por uma garrafa", que Jânio Quadros estava mesmo certo ao decretar o AI-5 quando faltou uma pinga no palácio ou que a combinação de compostos etílicos fermentados e destilados causa o surgimento de um fenômeno bioquímico cientificamente conhecido como ressaca. E não é só isso.
Se você se entregar às tentações das festas de réveillon, corre o sério risco de ficar completamente deslocado, olhando para o relógio, culpado por desperdiçar tanto tempo de estudo, nervoso.
Ou, pior, virar vítima daqueles papos insistentes dos chatos de festa de fim-de-ano, aquele primo solteirão que fica falando sobre o Movimento dos Sem Terra ou seu tio "liberado" que larga aquele bafo alcoolizado no seu ouvido "Bô, rrapá, ezi negósssio de veztibulá é u ziguinte: jêga lá na hora e diz qui izo é um pé no zaco, cousa dji recal-hic!-cado, lhéva tôzo mundo prum cabaré e vamu pra vesta! Abra zuas aza, sólti suas féra" sai cantarolando a figura.
Por isso, tome cuidado com as festas. Se você estiver angustiado e sentir que não vai conseguir se soltar, pegue leve. Saia de fininho quando ficar chato demais. Se quiser cair na gandaia, cuidado para não misturar o vestibular com as comemorações, porque Napoleão e Jânio não tem nada a ver com as confusões de réveillon.
E, principalmente, esqueça todos os conselhos do titio bebum sobre como se portar na hora da prova.

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