São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 1996
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"Cante" durante a prova, mas não dance

PASQUALE CIPRO NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na década de 70, a PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) deu o pontapé inicial na história de incluir letras de música popular na prova de português dos vestibulares.
Lamentavelmente, na primeira tentativa, houve fiasco: a prova, que incluía a letra de "Construção", obra-prima de Chico Buarque, foi anulada. Houve denúncia de que os alunos de um curso de São Paulo já tinham conhecimento do conteúdo da prova.
Depois disso, em várias ocasiões, letras de música caíram nos vestibulares mais prestigiados do país.
A Unesp é a mais fiel seguidora da tendência, com provas que sempre abordam a intertextualidade, ou seja, a relação entre dois textos, um dos quais costuma ser uma letra de música. É célebre a prova em que se fez a relação entre o poema "Língua Portuguesa", de Olavo Bilac, e a genial e dificílima "Língua", de Caetano Veloso.
Não há preconceito, nem tendência dominante. A Unesp já incluiu Caetano, Noel Rosa, Cazuza, Chico Buarque e Orestes Barbosa ("Chão de Estrelas").
A Unicamp, na segunda fase de 96, abordou um texto de jornal em que se falava do Haiti, relacionando-o com a música "Haiti", de Caetano e Gil.
A mesma Unicamp já incluiu em seus temas de redação letras dos Titãs, de Vandré etc.
Em relação às duas provas mais próximas -segunda fase da Fuvest e da Unicamp-, é possível esperar a inclusão de alguma letra.
Na Fuvest-96, havia um trecho de "Esse Cara", de Caetano Veloso, em que se pedia a análise dos elementos linguísticos que acentuavam a oposição entre homem e mulher. O trecho da letra é o que diz "Ele é o homem. Eu sou apenas uma mulher."
O aluno deveria levar em conta o uso dos artigos (o/uma) e do advérbio "apenas". Detalhe: a Fuvest não identificou o trecho, ou seja, não disse que se tratava da canção "Esse Cara".
Já na prova de 95, a Fuvest usou um trecho da genial "O Estrangeiro", de Caetano Veloso. "E eu, menos a conhecera, mais a amara?", diz a letra. A questão abordava o valor das formas do pretérito mais-que-perfeito presentes no trecho ("conhecera/amara").
O primeiro equivale a "conhecesse", ou seja, tem valor de imperfeito do subjuntivo. O segundo equivale a "amaria", futuro do pretérito. A frase toda equivale a "E eu, se a conhecesse menos, mais a amaria?"
Esse exemplo tinha sido dado por mim no "Nossa Língua Portuguesa", da TV Cultura.
Num tema de redação recente, a Fuvest incluiu um trecho de "Parabolicamará", de Gilberto Gil.
Acho que você já se convenceu da concreta possibilidade de uma letra de música popular ser incluída num dos próximos vestibulares. Portanto vá à luta! Preste atenção nas letras. E escolha bem. Nada de achar que Chitãozinho e Chororó, Leandro e Leonardo ou coisas do gênero têm alguma chance.
Uma boa dica é prestar atenção na diferença entre o padrão coloquial, comumente empregado nas letras, e o chamado padrão culto.
Boas provas!

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