São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 1996
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Bressane termina seu 'Miramar' anarquista

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Júlio Bressane, 50, um dos mais produtivos e controvertidos cineastas brasileiros, acabou no último domingo de rodar seu 20º longa-metragem, "Miramar".
"O que existe são referências e alusões importantes ao livro -à sua estrutura, à sua crítica, ao seu humor, à sua paródia, a alguns procedimentos, como a prosa capitular, o que eu chamo de obséquio à brevidade", diz Bressane.
"Todas essas linhas cruzadas, esses relâmpagos de alusões, perpassam pelo nome e pelo signo 'Miramar'."
O filme foi rodado em três semanas nas ruas de Copacabana e do Leblon e numa suíte do Hotel Miramar, em Copacabana. Deve ficar pronto em abril.
O ator que representa o personagem Miramar é João Rebelo, de 17 anos. Giulia Gam interpreta a atriz Rollah, por quem Miramar se apaixona. Diogo Vilela e Louise Cardoso fazem os pais do protagonista.
Estão também no elenco Claudio Mamberti, Fernanda Torres e Bia Nunes. A fotografia é de José Tadeu Ribeiro e a música, de Livio Tragtemberg.
"Miramar é um menino criado num ambiente de proteção e conforto para ser um criador, um artista, mas sofre uma tragédia. Depois disso, consolida alguns passos na ambição de se tornar um cineasta. Quando ele se prepara para fazer seu primeiro filme é quando o meu filme termina."
Bressane insere seu "Miramar" na antiquíssima tradição dos romances de formação, mas diz que tratou o tema solene do filme -a formação sentimental e intelectual de um jovem- com uma perspectiva anarquista.
"Mas um tipo de anarquismo ao alcance de todos, que não exige uma leitura fina dos textos teóricos do anarquismo. Cada um poderá entendê-lo com o que tem de anarquista dentro de si mesmo."
Fragmentação
Se o filme recupera o humor e a irreverência de Oswald de Andrade, não busca recriar, entretanto, a estrutura radicalmente fragmentária do "João Miramar".
"As sequências são fragmentadas dentro delas próprias e não no seu encadeamento com as outras", afirma Bressane.
"A fragmentação que eu busquei foi no tipo de corte no plano a plano. Os planos têm um tempo muito adulterado. O 'Miramar' é, no fundo, um filme sobre a questão do tempo."
Para Bressane, o que continua vivo e estimulante na obra de Oswald é a maneira como ele encarou a "materialidade da linguagem".
"O desenho que ele conseguiu produzir com as novas formas, a maneira como ele conseguiu contrabandear procedimentos da cultura européia para o Brasil -tudo isso produziu um enorme avanço no nosso olhar crítico e criativo."
Cleópatra
Bressane ainda nem começou a montagem de "Miramar" e já tem outro projeto engatilhado: o ambicioso "Cleópatra", que deverá ser uma co-produção internacional, com orçamento de R$ 4 milhões.
"Miramar", seu longa mais caro até agora, tem orçamento de R$ 1 milhão, bancado pela Riofilme e Banco Vega.
"Meu filme será uma versão do signo 'Cleópatra', que é um signo feminino, libertário, mas ao mesmo tempo civilizador", declara Bressane.
O cineasta escreveu o roteiro de "Cleópatra" em parceria com Gustavo Dahl, que deverá ser o produtor. "Será um filme de época, ambientado no Egito. Mas as ruínas, pedras e desertos serão filmados no Rio. Uma pré-história à beira-mar."
Crítico implacável do cinema pasteurizado -"o cinema é hoje a maior fábrica de lixo do mundo"-, o diretor diz que no Brasil, apesar da "sombra de impostura" que existe e deve ser criticada, "90% dos filmes são feitos com um empenho e um fervor que não existe no resto do mundo".
Para Bressane, há uma falta de tolerância com as imagens produzidas no Brasil e uma tolerância excessiva com as que vêm de fora. "O que têm a ver esses filmes que vêm da China ou do Irã? Nada. Eles estão inventando o soneto."

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