São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 1996
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O Ano Novo expõe o idiota que existe dentro de nós

DAVID DREW ZING
EM SÃO PAULO

O Natal faz com que a criança interior de todos nós seja exposta. O Ano Novo, por outro lado, expõe o idiota interior.
Um número enorme de pessoas vai acordar em 1º de janeiro de 1997 parcialmente vestido, num estranho quarto de motel, com uma dor de cabeça excruciante.
Haverá um traço distante de um caro perfume francês nos lençóis e uma canção fugidia, difícil de lembrar, em seus lábios.
Ao redor do mundo, otários de todas as classes gastarão dinheiro demais em divertimento dúbio.
Em Sampa, uma meca para otários exibidos, é apenas natural que essa extravagância seja expressa em dados -tanto corporais quanto numéricos.
No coração da cidade, ricaços dos jardins e do Morumbi vão pagar R$ 400 ou R$ 500 por cabeça para um jantar de sete pratos e um pianista em algum restaurante ou hotel chique.
No sertão daquele novo Amazonas urbano, o Itaim Bibi, o contingente mais jovem vai desembolsar quantia semelhante para a lição anual de social darwinismo em um novo club de dança que acaba de entrar na moda, lotado de exibicionistas agressivos até a borda da piscina vazia.
Na periferia, menos afortunada, pessoas menos afortunadas serão atingidas por balas desafortunadamente perdidas. Algumas dessas pessoas infelizes irão atingir umas às outras com balas intencionais.
Todos eles estarão competindo por um lugar nas páginas policiais dos jornais como o último homicídio do ano.
Ainda melhor para o orgulho de suas famílias e entes queridos, eles podem conquistar uma vaguinha na TV como a primeira vítima do novo ano.
O primeiro bebê nascerá em um hospital de bairro e provavelmente desfrutará de toda a fama que a vida lhe reserva naquele exato momento.
O joguinho das resoluções
Eis aqui algumas das resoluções de Ano Novo que jamais foram mantidas:
* Sempre terei um rolo extra de papel higiênico no banheiro.
* Não vou ligar para aquela peste daquela namorada imprestável.
* Não farei imitações engraçadinhas dos meus parentes.
* Sempre colocarei o controle remoto de volta no lugar.
* Não roubarei canetas do escritório.
* Serei polido para com os pedestres quando estiver dirigindo.
* Serei polido para com os motoristas quando estiver a pé, para não levar um tiro.
* Jamais apertarei o botão para fechar a porta quando vir alguém caminhando para o elevador.
Estranhos dias à frente
O Papa, Elvis e Barbie têm o deles.
Os ursos polares também. Albert Einstein. E casinhas de banheiro à moda antiga. Esta é a hora para comprar um calendário para planejar seu 1997, e virtualmente todos os assuntos servem de tema a eles.
Há milhares dentre os quais escolher. Sempre coloco o meu na parede defronte ao trono, na sala do trono. Dessa forma, posso meditar sobre os planos para o futuro enquanto cumpro meu presente dever, uma manobra inteligente e que economiza muito tempo, estou certo de que concordam.
Não conheço as estatísticas brasileiras sobre calendários, mas na Gringolândia apenas cerca de 2% dos domicílios estão livres deles.
A média é de cerca de cinco calendários por residência!
Há calendários sobre canhotos, gnomos, galhadas de alces, bules de chá e tratores.
É muito difícil escolher um calendário dentre essa enorme variedade, mas Tio Dave tem seus favoritos:
* Casinhas de banheiro. Este fica no banheiro como constante lembrete sobre a nossa imensa sorte em estar usando encanamento interno.
* Cadáveres famosos, de Henri Houdini ao popular e recentemente morto Kurt Cobain.
* Lixeiros. Neste caso, os garbosos lixeiros do estado de Connecticut, EUA. Os sexy trabalhadores da limpeza pública exibindo seus bíceps desnudos. Minha citação favorita é a de Mr. Junho: "Gosto de motociclismo, esqui, beisebol e jantares à luz de velas(!). Gostaria que mais pessoas se preocupassem com reciclagem".
* O Calendário de Álibis de O.J. Se você está sempre fazendo a coisa errada, compre este calendário. Mr. Simpson fornece desculpas para todas as ocasiões.
* O Calendário de Mesa Fumável em Memória de Jerry Garcia. Citações diárias do sujeito morto do Grateful Dead, em folhas de papel para cigarro Zig-Zag de altíssima qualidade. O presente certo para sua mãe.
Rum, o perigoso rum
O júbilo é decerto um componente básico do ritual do Ano Novo.
O consumo de bebidas alcoólicas é evidentemente muito frequente ao longo da história.
Na cidade de Nova York, onde o Tio Dave passou muitas celebrações alcoólicas de Ano Novo, o inverno é frio, muito frio.
Meu relatório favorito sobre uma morte no Ano Novo é um boletim policial da época da revolução dos Estados Unidos. Um patriota feliz consumiu uma quantidade aparentemente excessiva de bebida para celebrar a vitória de George Washington sobre os ingleses. Morreu.
O legista da cidade de Nova York pronunciou este poético veredicto:
"A lamentável fatalidade foi causada pelo congelamento de uma grande quantidade de água em seu corpo, que havia sido misturada ao rum que ele bebeu".
Bônus negativo de Ano Novo
* Seu patrão diz: "Bom trabalho, Souza", mas seu nome não é Souza.
* Vendem sua mesa e grampeador como sucata.
* Seu patrão fica repetindo: "Há sempre aquele bingo".
* Você é o diretor de segurança da TAM.
Tradução de Paulo Eduardo Migliacci

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