São Paulo, sexta-feira, 27 de dezembro de 1996 |
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O besouro continua voando
MAILSON DA NÓBREGA Neste final de ano, o Plano Real parece a história do besouro, que, pelas leis da aerodinâmica, não deveria voar.Olhado por certas lentes, o plano já deveria ter fracassado, sob os efeitos do déficit público, do "custo Brasil" e da valorização cambial. O fracasso, sabe-se, seria a volta da inflação crônica e elevada. Não parece ser o caso. O plano continua colhendo recordes: a menor inflação em 40 anos, o maior sucesso de estabilização das duas últimas décadas. A restauração da renda das camadas menos favorecidas e o renascimento do crédito ao consumo têm feito mais pelo bem-estar do que qualquer programa governamental dito social. Quem fracassou, pois, foram os que previram o insucesso, como economistas do PT que rotularam o plano de eleitoreiro. Destinar-se-ia, segundo eles, a durar apenas no período das eleições presidenciais. Para outros, a agricultura, sob os efeitos dos juros altos e da valorização cambial, seria a bomba-relógio que explodiria na cara do plano. O preço do frango, herói da cesta básica, subiria sob o impulso da queda de produção do milho. Morreria a âncora verde. Nem o plano era eleitoreiro (embora tenha sido notória fonte de votos) nem se confirmou o prognóstico sobre a agricultura. Os preços dos alimentos continuam estáveis, alguns variando abaixo dos índices. É certo que há riscos. O Plano Real, obra incompleta, dificilmente sobreviverá sem o ajuste fiscal. Não será sustentável sem aumento do nível de poupança. Poderá morrer se a valorização cambial não for compensada por ganhos permanentes de produtividade. A rigor, a situação fiscal e a valorização cambial são até piores do que em outras experiências de estabilização. De onde, então, o sucesso? No fundo, a grande diferença é o engenhoso remédio aplicado contra o mal da inércia inflacionária, a URV. O sucesso foi possível precisamente pela URV, a competente idéia para a transição de uma economia indexada para outra na qual os preços se movem pela lógica da competição e não pela inflação passada ou pelo controle dos burocratas. A desindexação não basta, contudo, para explicar tudo. Houve, além dela, uma favorável mistura de sorte e capacidade de gestão. Sorte foi, por exemplo, o plano acontecer quando a crise da dívida externa já era página virada, permitindo o restabelecimento dos fluxos de recursos do exterior. Sorte foi o caminho que já havia sido percorrido pela abertura da economia, desde seu início, em 1988, até a forte aceleração do vendaval Collor. Não foi preciso muito esforço nem ousadia para um novo passo em 1994. Se tivessem enfrentado a restrição externa e a economia fechada do passado, a URV e o Plano Real, malgrado seus inegáveis méritos, teriam sido mais uma experiência fracassada. A súbita interrupção da inflação, como se sabe, faz a demanda crescer também instantaneamente, movida pela restauração da renda dos mais pobres, pela recuperação da memória dos preços e pela confiança dos consumidores. Enquanto isso, a oferta estaria limitada pelas barreiras à importação e pela ausência de financiamento externo. O desequilíbrio seria mortal, como ocorreu nos outros planos. Com recursos externos e economia aberta, a expansão do consumo foi acomodada via importações. O Plano Real, viabilizado em sua partida, detonou um círculo virtuoso. Desvendou e acelerou uma profunda transformação estrutural que já estava em curso. Os efeitos dessa revolução são impossíveis de medir com precisão. Eles decorrem da queda brutal dos custos de transação e do processo de reestruturação das empresas, estimulado pela estabilidade, pela abertura e pela globalização. Nessa rica transição, é errado fazer cálculos e prognósticos fundados apenas nos instrumentos de análise aplicáveis às economias maduras. Há enormes ganhos de eficiência e produtividade que aguentam aparentes desaforos do plano. O Plano Real continua vulnerável a uma mudança radical no cenário externo. Perderá apoio social se as reformas demorarem, na esteira de um prolongado e insustentável período de estagnação ou baixo crescimento. Ainda há tempo para, no que depender de nós, evitar o caminho do fracasso. Por ora, há razões para crer na continuidade do sucesso. Este, como no caso do besouro, não é artificial nem milagroso. Texto Anterior: Vale tudo; Indústria otimista; Mais prudentes; Olho na privatização; Tíquete de plástico; Aliança estratégica; Carga pesada; Vendendo mais; Em expansão; Trator "popular"; Em alta; Serviço rápido; Trânsito desanima; Novos investimentos; Contato demorado Próximo Texto: Conduta a imitar Índice |
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