São Paulo, sexta-feira, 27 de dezembro de 1996
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Narrativa dispersa prejudica "Os Ladrões"

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em seus 107 minutos, "Os Ladrões" comprime um material dramático suficiente para uma minissérie de TV.
Há várias histórias dentro da história contada pelo diretor francês André Techiné. Primeiro, a de dois irmãos colocados pela vida em campos opostos: Jimmy (o ator Benoit Magimel) é um gângster, Alex (Daniel Auteuil) é um policial.
Misturada com isso, há a história da pequena ladra Juliette (Laurence Cote), que rouba perfumes para vender às prostitutas, e seu irmão Victor (Ivan Desny), ladrão de carros. Juliette vira amante de Alex, enquanto Victor vai trabalhar na quadrilha de Jimmy.
Nas pontas desse "imbroglio" há ainda dois personagens importantes: o menino Justin (Julien Riviere), filho único de Jimmy e criminoso em potencial, e a professora de filosofia Marie (Catherine Deneuve), que vive um caso de amor com Juliette.
Frouxidão
O problema, em primeiro lugar, é que os personagens de Techiné nem sempre (ou quase nunca) são críveis, e as tramas não são envolventes o bastante para manter o espectador interessado.
Em segundo lugar, há uma frouxidão do relato, uma ausência de rigor que leva a uma espécie de vale-tudo narrativo.
No começo, o filme é narrado em "off" pelo pequeno Justin, mas logo esse ponto de vista é abandonado. Depois virão narrações em "off" de Alex e de Marie -tudo sem o menor critério, sem a menor economia narrativa.
Até os mortos, aliás, narram o filme em "flashback" -e não se trata de uma ironia à Brás Cubas, mas de simples descuido.
A narração em "off", aliás, é uma praga que assola o cinema francês. Utilizada como legítimo recurso romanesco por um Truffaut, nas últimas décadas ela se tornou uma muleta para compensar as falhas da narração especificamente cinematográfica.
Dispersão
Por força de sua dispersão dramática, "Os Ladrões" acaba por desperdiçar boas idéias.
Por exemplo: o filme começa (muito bem, por sinal), com a chegada do cadáver de Jimmy a sua casa, para o espanto de seu filho Justin. Ignoram-se as circunstâncias de sua morte, que só será mostrada (em outra boa sequência) depois do meio do filme.
Muito bem. O princípio de tensão e suspense sugerido por esse esquema é diluído pela tendência centrífuga da ação.
Com tanto blá-blá-blá psicologizante no meio do caminho, com tantos ziguezagues dramáticos, perde-se o nexo entre o anúncio da tragédia e sua exposição.
Desse modo, Techiné -um diretor superestimado pela sempre chauvinista crítica francesa- fica no meio do caminho entre o cinema físico ("de ação") realizado na América e o cinema "de idéias" realizado na Europa.
Até aí, tudo bem: poderia ser um bom caminho. Só que a ação é morna e as idéias são rasas.

Filme: Os Ladrões
Produção: França, 1996
Direção: André Techiné
Elenco: Benoit Magimel, Daniel Auteuil, Laurence Cote, Ivan Desny, Julien Riviere, Catherine Deneuve
Onde: Espaço Unibanco 2

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