São Paulo, sexta-feira, 27 de dezembro de 1996
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'Europa Saqueada' reconstitui nazismo

MURILO GABRIELLI
ESPECIAL PARA A FOLHA

"É um equívoco acreditar que a revolução nacional seja apenas política e econômica. Ela é sobretudo cultural". A citação vem de um discurso proferido em 1933 pelo diretor da Liga de Combate pela Cultura Germânica.
Ela ajuda a entender a tarefa de reconstrução do mundo a que se propôs o Terceiro Reich alemão. Resume, também, as intenções por trás do livro "Europa Saqueada", de Lynn Nicholas, do qual foi extraída: contar a Segunda Guerra Mundial por meio do destino das obras de arte européias durante o conflito.
Os 13 capítulos do livro da pesquisadora norte-americana podem ser arbitrariamente divididos em três partes.
Nos dois primeiros, trata-se do expurgo promovido pelos nazistas na arte germânica durante os anos de ascensão do Reich.
As obras de artistas "degenerados" (ou seja, ligados a movimentos artísticos de vanguarda, mormente expressionistas) foram confiscadas. Parte foi vendida, para financiar futuras aquisições de obras da "verdadeira arte".
Parte (quase 5.000 obras) foi queimada. Paralelamente, o governo de Hitler promovia exposições de orientação acadêmica.
Era a tentativa de expurgar a "feiúra", implantar um mundo de ordem, beleza e assepsia. Nesses capítulos, o livro guarda grandes semelhanças com o documentário "Arquitetura da Destruição", do cineasta sueco Peter Cohen.
Mas o projeto de Nicholas é mais ambicioso. Nas páginas seguintes, "Europa Saqueada" avança no ritmo dos exércitos nazistas.
Principalmente nos países do oeste, foi poupada a maior parte das coleções ligadas a museus. Tiveram pior sorte, porém, obras pertencentes a judeus e eslavos.
Os cinco últimos capítulos ilustram a reconquista da Europa e os esforços realizados, desde então, para devolver as obras de arte extraviadas durante a guerra para seus donos originais.
Falam, ainda, dos saques que os russos promoveram na Alemanha e do nascimento, ainda durante a conflito, da Guerra Fria.
Nicholas consegue transformar o que poderia ser um tedioso relatório em uma narrativa saborosa.
Ajuda a manter o interesse a descrição de vários dramas pessoais: de colecionadores judeus tentando salvar suas posses, de pretensos marchands em busca de prestígio na corte de Hitler.
O humor permeia sutilmente a obra. É difícil não se divertir com a guerra de bastidores que travam pelas melhores peças os bajuladores de Gõring e Hitler.
Nicholas não perde oportunidade para expor a obsessão germânica pela burocracia e pelo respeito às normas -por mais absurdas e ditatoriais que fossem.
A autora fornece um cuidadoso painel histórico e, sempre que possível, faz pontes com o desenrolar do conflito. Alguns pequenos deslizes -como chamar de "romântica" obra "românica"- devem ser creditados à tradução.
Nada que comprometa o primoroso resultado final. Longe de caracterizações infantis, da armadilha fácil de igualar Hitler a Satanás, busca compreender os motivos do surgimento do nazismo e suas repercussões no mundo atual.

Livro: Europa Saqueada
Autora: Lynn H. Nicholas
Lançamento: Companhia das Letras (540 págs.)
Quanto: R$ 38

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