São Paulo, sexta-feira, 27 de dezembro de 1996
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Memória curta (ou enchentes herdadas)

HUGO MARQUES DA ROSA

De tudo o que afirmou o ex-secretário de Recursos Hídricos (governo Fleury) Fernando Boucinhas (Folha, 20/12), uma coisa é certa. Enquanto a urbanização for sinônimo de impermeabilização do solo, erosão urbana e degradação das várzeas, as chuvas continuarão causando transtornos à população.
É pena que o ex-secretário nada tenha feito nesse sentido em sua gestão. De resto, seu artigo mostra que a memória dos que deixaram o governo é curta.
O ex-secretário afirmou que, entre 92 e 94, "não houve um extravasamento sequer" do Tietê. É uma lástima que não se recorde de que, só entre outubro de 93 e abril de 94, foram 8 com bloqueio do tráfego e outros 85 alagamentos de pista. Além disso, em 94 não houve as tais "precipitações intensas". Houve, sim, uma grande estiagem, resultando num severo racionamento de água na Grande São Paulo.
O ex-secretário também esqueceu-se da herança que deixou ao Estado. O desassoreamento do rio Tietê e a grande maioria dos serviços e obras contratados foram totalmente paralisados em setembro de 94, ou seja, a quatro meses do final do governo Fleury, por falta de pagamento às empresas que prestavam esse serviço.
Em 95, quando assumimos, os dois contratos de desassoreamento vigentes foram cancelados, porque o Tribunal de Contas do Estado considerou-os ilegais, irregulares e superfaturados em alguns itens. Mas não é verdade que o desassoreamento tenha continuado paralisado.
Entre novembro de 95 e abril de 96 (estação chuvosa), retiramos 280 mil metros cúbicos de material do Tietê, ao custo de R$ 3,28 por metro cúbico, contra cerca de R$ 25,00 praticados nos antigos contratos. Boucinhas também está mal informado sobre o volume de assoreamento do canal do rio. Em média, são 550 mil metros cúbicos e não 2 milhões.
Para 96, desenvolvemos um método de desassoreamento, hoje em licitação, que aproveitará a areia -80% do material retirado do Tietê- para a construção civil. Tal prática, que o ex-secretário qualifica de "mirabolante", é comum em vários países e atende uma das recomendações da Agenda 21, produzida na Eco-92: reciclar resíduos para diminuir a demanda de aterros sanitários. O projeto é uma alternativa para reduzir os gastos do Estado.
O desassoreamento é um serviço necessário para diminuir os riscos de transbordamento do Tietê, mas é insuficiente para evitar enchentes. Hoje, o Tietê, mesmo totalmente limpo, não tem espaço físico para toda a água que recebe. Por isso os extravasamentos acontecem.
Para equacionar as enchentes, devemos caminhar para um modelo de urbanização mais sustentável. Para isso, o governo do Estado propôs um trabalho conjunto com as prefeituras da Grande São Paulo. Com a Prefeitura de São Paulo, iniciamos entendimentos para a elaboração de um Plano Diretor de Macrodrenagem para a região metropolitana -o que ninguém havia feito!
Este é o primeiro governo, portanto, a propor soluções globais, considerando custos econômicos, sociais e ambientais, buscando modelos sustentáveis de desenvolvimento, com prevenção à erosão, conservação de recursos hídricos, proteção às várzeas...
Além disso, será preciso aprofundar a calha do Tietê entre a barragem de Edgard de Souza e a barragem da Penha, para que o rio suporte toda a água que recebe. O trecho entre a Edgard de Souza e o Cebolão, previsto no contrato com o governo japonês, é necessário, mas insuficiente para conter as enchentes em todo o Tietê. É lamentável que o governo Fleury não tenha incluído todos os trechos no contrato, quando iniciou as negociações do empréstimo.
Aliás, o ex-secretário critica a demora para autorização desse financiamento. Talvez o economista não saiba que ela só seria possível se o Estado não estivesse inscrito no cadastro de inadimplentes. No final da gestão Fleury, estava. Portanto, quando assumimos, nossa primeira providência foi "limpar" o nome de São Paulo. Só então o contrato pôde ser assinado, passando a vigorar em novembro de 95.
Por fim, o economista Boucinhas errou quando atribuiu ao Tietê a inundação do Vale do Anhangabaú (11/12). Nesse dia, choveu intensamente sobre o Tamanduateí -cerca de 90 mm, que equivalem a 90 l por metro quadrado de terreno. O córrego Anhangabaú, afluente subterrâneo do Tamanduateí, não suportou, mas o Tietê e o Tamanduateí não transbordaram. Mesmo tendo ouvido falar da teoria dos vasos comunicantes, o economista não soube aplicá-la: a elevada altitude do Anhangabaú torna inaplicável a teoria. Mais um lapso de quem já perdeu a memória do seu tempo de governo.

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