São Paulo, sexta-feira, 27 de dezembro de 1996
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Quem entendeu a crise da TV Cultura?

JORGE DA CUNHA LIMA

No ano 2005 teremos cerca de 500 canais de televisão disponíveis. Precisaremos de duas horas para percorrer as ofertas, com o controle remoto. Muita janela para pouca paisagem.
A TV Cultura já percebeu há muito esse vazio da quantidade. Por isso mesmo, é alternativa, antes até da existência do cabo. A TV comercial tem o ritmo do mercado, geralmente a serviço dos interesses econômicos, enquanto a TV cultural tem o ritmo da reflexão, a serviço dos interesses públicos.
As televisões educativas, em todo o mundo, dependem, sim, de verbas do governo, pois cuidam da formação complementar de crianças e adultos. A TV Cultura sabe, contudo, que não pode viver só delas. Precisa de receitas, apoios culturais, serviços, publicidade institucional e patrocínios de empresas públicas e privadas.
A Rede Cultura e a Rede Brasil já afirmaram que não querem publicidade comercial, a fim de manter seu espírito e sua independência, mas afirmaram, por escrito, que têm prestígio e audiência para veicular publicidade institucional, apoios culturais e patrocínios.
A legislação da ditadura, que o impedia, já foi derrogada pela Lei Sarney e pelas necessidades. Invocá-la seria defesa desnecessária da TV comercial, que hoje, em seus desdobramentos, mantém excelente relação com as televisões culturais.
Mas, por ser cultural ou pública, a TV não pode se alienar. Tem que buscar produtividade, enxugamento administrativo e atualização tecnológica. Não pode fingir que a inflação não acabou.
Presidente, conselheiros e funcionários da TV Cultura nos sentimos hoje muito orgulhosos. Enfrentamos a crise com um apoio inusitado da audiência e ganhamos, no período, todos os prêmios internacionais significativos.
Também gostamos da afirmação da revista "Veja" de que é preciso "vontade para defender a maior conquista cultural da população brasileira desde a invenção da TV". Essas glórias, contudo, não bastam. Navegar é preciso. Com lastro, horizonte e algum combustível, senão fica-se ao largo, na solene inutilidade das calmarias.
Em cima das 42 mil cartas que recebemos, eu me pergunto: quem entendeu a crise da TV Cultura?
Podemos tratar isso com sinceridade. A população entendeu, conferindo-lhe a maior audiência relativa de televisões culturais do mundo. O público interno já compreendeu que os tempos exigem um novo modelo administrativo e uma televisão cada dia mais alternativa: educação humanista, cultura dos valores novos e informação que transcenda a pauta da agenda compulsória imposta pela moda e pelo mercado.
O governo Covas, com a grandeza e a humildade de quem sabe rever, manteve o orçamento de R$ 45 milhões, já concedeu R$ 8 milhões ao projeto de integração cinema-TV e articulou, por intermédio da Secretaria da Fazenda, o pagamento dilatado da dívida de R$ 17 milhões ao INSS.
O governo federal ainda não entendeu completamente o que a TV Cultura tem feito pelo país, quando transmite gratuitamente sua programação para quase 80% das televisões educativas e culturais de 21 Estados. Há, é verdade, ajuda isolada dos ministérios da Cultura, da Educação e das Comunicações.
A TVE, órgão federal que encabeça a Rede Brasil, vem realizando duro trabalho de recuperação interna e, com a TV Cultura, que encabeça a Rede Cultura, realiza aproximação progressiva das grades, troca de programas e planejamento de co-produções, com grandes benefícios para ambas e para o espectador. Para engajar mais o governo no desenvolvimento da Rede Cultura, seu conselho solicitou audiência ao presidente Fernando Henrique Cardoso.
E os empresários estão entendendo a crise da Cultura?
Desde que a Cultura criou seu departamento operacional, oferecendo parcerias e retornos para a divulgação da imagem institucional de empresas privadas, já obtivemos com "sponsors", apoios culturais, prestações de serviços e "licensing" de produtos um montante anual de R$ 10 milhões, insuficientes para a atualização tecnológica e o reinício do "Castelo Rá-Tim-Bum".
Das dez maiores empresas de cada setor, ajudam-nos, na área de alimentação, a Nestlé; no sistema financeiro, o Banco de Boston; na aviação, só a Vasp. Das instituições patronais, o Sesi, que possibilitou a produção do "Rá-Tim-Bum", e o Sesc, parceiro de inúmeros programas. Das fundações privadas, nem as especializadas em educação. Mineradoras, nenhuma. Das empresas públicas federais e dos ministérios, nenhum anúncio institucional é autorizado para as TVs educativas.
E o empresariado ainda vai entender o bem que esta TV faz para seus filhos e esta nação. Dinheiro há, tanto que Antonio Athayde me informou que a TV Educativa, do cabo da Globosat, já tem apoios compromissados da ordem de R$ 50 milhões.
Recebi cartinha da Patricia e de seu irmão Caio, enviando R$ 0,55, colados com durex, para que a TV Cultura não morra nunca. Creio que eles entenderam a crise da Cultura.

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