São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
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Abaixo todas as barreiras

LUIZ FERNANDO FURLAN

Em meio à euforia com a consolidação da estabilização econômica, com o crescimento do mercado consumidor -engrossado pelas camadas de menor poder aquisitivo beneficiadas pelo fim da inflação- e com os crescentes investimentos internacionais, há um indicador preocupante na economia brasileira: o desempenho da balança comercial.
Depois de 14 anos seguidos apresentando superávit, no ano passado houve um déficit de US$ 3,2 bilhões, e em 1996 o saldo negativo acumulado de US$ 3,7 bilhões, até novembro, indica que o país caminha para um dos maiores, ou talvez o maior, déficit da sua balança comercial, podendo superar até os US$ 4,7 bilhões registrados em 1974, sob o impacto da primeira grande crise do petróleo.
Em outros tempos, o governo poderia adotar medidas restritivas, impondo cotas ou aumentando alíquotas para estancar as importações, e a situação estaria contornada. Hoje em dia, a dinâmica do comércio internacional é pouco receptiva para intervenções oficiais dessa natureza. E certamente haveria reação negativa por parte dos consumidores, que já não admitem serem privados de artigos importados incorporados ao seu cotidiano.
A raiz do problema está no frustrante desempenho das exportações, que neste ano apresentam uma evolução abaixo da média mundial. Enquanto os países asiáticos, por exemplo, exibem um salto de 13% nas suas exportações, o Brasil deverá fechar 1996 com crescimento de, no máximo, 3% em relação ao ano passado.
O primeiro grande obstáculo para maior incremento das nossas exportações são as barreiras protecionistas que enfrentamos lá fora, na forma de subsídios a produtos locais que os tornam imbatíveis na concorrência internacional, de cotas, de alíquotas proibitivas ou mesmo de veto a produtos brasileiros.
Estudos de técnicos do Departamento Econômico do Itamaraty estimam em US$ 10 bilhões o valor que deixa de ser acrescido às nossas exportações por conta desse protecionismo.
O segundo grande obstáculo para incremento das exportações brasileiras são as barreiras criadas no próprio país, por intermédio do chamado "custo Brasil", um misto do excesso de burocracia e de impostos com a escassez de infra-estrutura e eficiência, que faz os produtos nacionais perderem competitividade.
Sistematicamente denunciados pelas classes produtoras, os males do "custo Brasil" são amplamente conhecidos pelas autoridades, que, diante de platéias, costumam fazer coro aos reclamos dos empresários. Na hora de tomar medidas concretas, porém, tanto o Executivo quanto o Legislativo acabam decepcionando.
O mais recente exemplo disso foi a votação no Congresso Nacional, transformando na lei 9.363 a medida provisória 1.484. Editada originalmente em outubro de 1994 sob o número 674, depois reformada pela 948, em março de 1995, até se tornar 1.484 em novembro de 1996, a medida foi claramente concebida com o objetivo de estimular as exportações.
Em sua primeira versão, estabelecia um crédito fiscal ao produtor exportador, mediante ressarcimento em moeda corrente, destinado a compensar o custo representado pelas contribuições fiscais PIS/Pasep e Cofins, desembolsadas no processo de produção com matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem.
Ao ser reformada pela 948, sofreu uma modificação adulterando seu sentido, pois transformava o crédito fiscal em crédito presumido específico para Imposto sobre Produtos Industrializados.
Já que o objetivo da medida era incentivar as exportações, seria de esperar que todos os exportadores pudessem usufruir do benefício e que, para as empresas desobrigadas do recolhimento de IPI, também houvesse uma forma de compensação de modo a desonerar seu custo no processo de produção. Mas a burocracia, absolutamente insensível às preocupações com a balança comercial, interveio, deturpando de tal modo a medida provisória que apenas uma parte dos exportadores pôde se beneficiar efetivamente do ressarcimento proposto.
Aqueles que, pela característica da sua atividade, não são contribuintes do IPI -como é o caso da agroindústria- foram desconsiderados para efeito desse benefício e transformados numa espécie de exportadores de segunda classe.
Enquanto a burocracia insistia em sua tese discriminatória, o déficit da balança comercial foi aumentando. Embora tivesse à mão uma oportunidade prática, rápida e eficaz para aumentar as exportações, o governo não tomou iniciativas nesse sentido, deixando a medida provisória ir para votação com os vícios de origem.
Pior ainda, a decisão do Congresso não levou em consideração as várias propostas de emenda apresentadas visando as melhorias necessárias. Assim, quando se esperava uma correção, o Legislativo nada mais fez do que gerar uma lei que cristaliza distorções, estabelecendo duas classes de exportadores: a que tem direito de ressarcimento como forma de desonerar a produção e a que será obrigada a arcar integralmente com o penoso "custo Brasil".
Num momento em que o déficit comercial pode chegar a US$ 5 bilhões, e o aumento da exportação representa a única saída para reverter esse quadro, é lamentável que Executivo e Legislativo insistam em alijar a maioria dos exportadores da possibilidade do ressarcimento, que tanto poderia contribuir para combater o déficit.
Se pretendemos efetivamente reverter a balança comercial, precisamos exportar mais. Para tanto, temos de superar os obstáculos. As barreiras do protecionismo internacional -embora recebam nossos protestos- são até compreensíveis, e sabemos que não poderemos removê-las de imediato. Mas as barreiras impostas pela burocracia nacional são inadmissíveis. E, neste caso em particular, merece toda a nossa indignação, porque causa à nação um duplo prejuízo: corrobora para aumentar o déficit da balança comercial e estrangula o crescimento da economia brasileira.

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