São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
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Peru é acusado de maltratar presos

CLÁUDIA TREVISAN
DA ENVIADA ESPECIAL

A legislação peruana impõe um regime extremamente duro aos presos sob suspeita de ligação com a guerrilha: total isolamento no primeiro ano de prisão e visitas familiares por apenas 30 minutos mensais a partir do segundo ano.
Essas regras foram estabelecidas pelo presidente Alberto Fujimori em 1992, no período em que o Congresso estava fechado.
Atualmente, há cerca de 4.800 pessoas presas sob acusação de terrorismo e traição à pátria.
Desse total, cerca de 2.000 são inocentes, de acordo com a Comissão Andina de Juristas, uma entidade de defesa de direitos humanos com representação em vários países da América Latina.
Na categoria de traição à pátria se incluem os dirigentes guerrilheiros e as pessoas que participaram de atentados com carros-bomba e de grupos de aniquilamento.
Entre 4.800 presos, 520 são ligados ao MRTA (Movimento Revolucionário Tupac Amaru), grupo que mantém 103 reféns na casa do embaixador do Japão em Lima.
"Nós temos pedido ao governo que as condições de prisão sejam abrandadas", disse à Folha o advogado Javier Ciurlizza Contreras, secretário-geral da Comissão Andina de Juristas.
Contreras afirmou que 60% dos 520 presos ligados ao MRTA ainda não foram julgados pela Justiça.
Isolamento
Segundo ele, a legislação estabelece o total isolamento durante o primeiro ano de prisão. Isso significa que o acusado não tem contato com sua família nem com outros presos. A exceção são os encontros com o advogado, com quem o preso pode conversar apenas uma vez por semana.
A partir do segundo ano, o acusado pode receber visitas dos familiares mais próximos por um limite de 30 minutos mensais. As saídas das celas não podem ultrapassar 30 minutos diários.
A principal reivindicação do MRTA é a libertação de seus guerrilheiros que estão presos em todo o país. O grupo sustenta que eles são submetidos a condições sub-humanas e, muitas vezes, são torturados.
Contreras afirmou desconhecer casos de tortura depois que os acusados são levados à prisão. "As próprias condições de prisão já equivalem a maus-tratos."
Mas ele disse que é comum a tortura durante a fase de investigação policial, principalmente com o objetivo de obter confissões.
Os maus-tratos nas prisões se estendem aos familiares dos acusados, observou Contreras. De acordo com ele, é comum os familiares sofrerem revistas degradantes e serem tratados como se fossem guerrilheiros.
A Comissão Andina de Juristas calcula que 95% das prisões de suspeitos de envolvimento com a guerrilha tenham sido realizadas a partir de 92, no governo Fujimori.
A Constituição do Peru só autoriza prisões com mandado judicial ou em flagrante. As duas exceções são o narcotráfico e o terrorismo, que inclui a ligação com a guerrilha. Nesses casos, a simples suspeita justifica a prisão.
Inocentes
Segundo a entidade, houve uma série de abusos na ação do Estado desde 92, e cerca de 2.000 pessoas que estão presas são inocentes.
A maioria dos inocentes pertence ao grupo que Contreras chama de "independentes" porque não têm ligações com os dois principais grupos guerrilheiros do país: MRTA e Sendero Luminoso.
A Comissão Andina de Juristas sustenta que houve uma série de erros judiciais no julgamento de suspeitos a partir de 92.
Contreras afirmou à Folha que os acusados têm poucas chances de defesa: são julgados por juízes anônimos, a quem não podem ver; raramente se beneficiam de testemunhos favoráveis; não sabem de quem são os testemunhos contrários e quase nunca conseguem contestar a investigação policial, normalmente aceita pelos juízes sem questionamentos.
"É um processo muito sinistro", disse o advogado. "Os erros e excessos desse período foram tão grandes que os danos foram maiores do que os benefícios."
Indulto
Para tentar amenizar a situação, Fujimori criou em agosto uma Comissão de Indulto, que tem a função de propor a revisão de julgamentos equivocados e a libertação de condenados. A decisão final cabe ao presidente da República.
Desde que a comissão começou a trabalhar, Fujimori indultou 130 presos acusados de terrorismo.
Contreras disse que o trabalho da comissão é secreto e que não há informações de quantos indultos foram sugeridos. Mas informações extra-oficiais indicam que a comissão pediu a libertação de aproximadamente 260 presos.
A comissão é presidida pelo padre Hubert Lannssiers e integrada pelo ministro da Justiça e pelo defensor do povo.
Mortes
Estima-se que o confronto entre a guerrilha e o Estado no Peru tenha provocado a morte de 24 mil pessoas entre 1980 e 1995. Haveria ainda 5.000 desaparecidos.

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