São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
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'Madalenas' lavaram pecado em conventos

LUCIA MARTINS
DE LONDRES

Cerca de 50 irlandesas que passaram os últimos 40 anos "lavando os seus pecados" correm o risco de ficar o resto de suas vidas em asilos ou nas ruas de Dublin.
Elas são as últimas "filhas" de Maria Madalena, uma ordem de freiras irlandesas que tem conventos em todo o país.
Nas décadas de 40 e 50, milhares de adolescentes que não se comportaram dentro dos padrões da Igreja Católica foram condenadas a viver dentro das lavanderias desses conventos.
Elas viveram como freiras, sem direito a poder sair das instituições, receber visitas ou ter remuneração por seu trabalho.
E ainda tiveram seus nomes substituídos por de santas. Seu crime foi "ter envergonhado a família". A maioria foi vítima de incestos ou manteve relações sexuais fora do casamento.
No mês passado, a Igreja Católica decidiu fechar a última dessas lavanderias (no convento de Gloucester Street, centro de Dublin), e as últimas "filhas" de Maria Madalena não têm para onde ir.
São mulheres com idades que variam entre 55 e 65 anos e, como passaram a maior parte de suas vidas trancadas, sem receber salários, perderam o contato com a família e não têm dinheiro para alugar um lugar para morar.
Provisoriamente, a maioria foi levada para um asilo em Dublin, mas elas deverão se mudar porque o abrigo não tem lugar para todas.
Responsabilidade
A Igreja Católica se exime de qualquer responsabilidade. Procurada pela Folha, a irmã Lucy Bruton, responsável pelo convento de Gloucester Street, não quis dar declarações.
A maioria das mulheres também prefere não falar sobre o assunto. D.F., 52, é uma delas. Ela passou os últimos 30 anos trabalhando no convento.
Foi levada para lá porque ficou grávida de um namorado. "Quando o padre descobriu, foi a minha casa e disse que eu era uma peça podre. Minha família dependia da ajuda da paróquia e não disse nada. Nunca mais vi meu filho. Acho que ele foi adotado."
D. conta que nunca mais teve contato com as três irmãs ou com os pais. Hoje, ela mora com uma tia avó e trabalha como faxineira em Dublin. "Não gosto de falar desse assunto. É muito doloroso."
As lavanderias eram mantidas em segredo até dois anos atrás. O caso virou escândalo na Irlanda, quando um cemitério clandestino foi descoberto no quintal de um dos conventos em Dublin. As lápides não tinham nomes. Lá, estima-se que tenham sido enterradas até 3.000 "filhas" de Maria Madalena nos últimos 35 anos.
O Ministério do Interior irlandês também fez uma estimativa recentemente de que cerca de mil bebês tenham sido adotados por casais americanos nas décadas de 40 e 50.
As crianças que não conseguiam achar novos pais eram levadas para orfanatos que, na maioria das vezes, funcionavam dentro dos próprios conventos. Mas as mães eram proibidas de manter qualquer contato com os filhos.
O motivo: afastar as mulheres de uma vida terrena e aproximá-las de Deus. A mesma razão foi usada para justificar o não-pagamento dos serviços como lavadeiras, costureiras e faxineiras da igreja.
Um grupo de ex-filhas de Maria Madalena está planejando entrar na Justiça pedindo indenização pelo não-pagamento dos seus serviços e processando a igreja por mantê-las em cárcere privado.
A igreja já admitiu o seu erro e está estudando uma forma de recompensar essas mulheres pelo dano causado.

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