São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
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Reeleição é um projeto caro, inútil e arriscado

GILBERTO DIMENSTEIN

Um dos mais reveladores sinais da melhoria do Brasil está no vestibular deste ano: a baixa procura pelos cursos de economia. Nem se compara a carreiras como turismo, publicidade ou direito.
A estabilização da moeda reduziu a sensação de insegurança permanente, com choques e contrachoques. Até então, os economistas pilotavam o debate nacional.
Com livros publicados em todas as línguas, os economistas americanos ganham a maioria dos Prêmios Nobel, suas aulas são repletas de alunos, que vêm de todas as partes do mundo.
Nem de longe, porém, desfrutam nos Estados Unidos do prestígio que seus colegas brasileiros tinham no Brasil; jamais imaginariam dar tantas entrevistas em jornais ou escrever tantas colunas.
Empresários, homens públicos e leitores reverenciavam as opiniões de ministros, ex-ministros ou, quem sabe, futuros ministros, na esperança da saída contra a inflação. Consultores davam concorridas palestras e atraíam contas polpudas, como se tivessem uma bola de cristal.
O vestibular mostra que os economistas perderam o charme, desprovidos dos status de quase videntes -assim como direito perdeu o charme, se comparado com os tempos em que a política brasileira era regida por bacharéis.
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Ao domar a inflação, o Brasil saiu do clima catastrófico, assistiu ao aumento de consumo das pessoas mais pobres e passou a receber investimentos estrangeiros (leia-se emprego). Nítido em Nova York como empresários olham com crescente interesse para o país -um interesse que se reflete na Casa Branca.
Mudou a agenda nacional, trazendo os holofotes para os colapsos da saúde, educação e segurança. Até pouco tempo, as páginas do jornal refletiam o binômio paralisante inflação e corrupção. Hoje vemos cada vez mais educação.
Impossível -e intelectualmente desonesto- analisar todos esses avanços sem dar crédito, em algum grau, ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Tomou medidas amargas e antipopulares para que a economia não explodisse e garantiu o Plano Real; desconsiderou o provincianismo e saiu viajando pelo mundo para mudar a imagem no exterior, atraindo investimentos.
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O movimento pela reeleição é consequência previsível da satisfação com resultados concretos. Se não ocorrer nenhum desastre, ele encerra seu mandato como um dos maiores personagens-chave pelo revigoramento da imagem da democracia no país -e também do político.
Justamente por isso, considero desaconselhável o projeto de sua reeleição.
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Para a aprovar a reeleição, o presidente vai ter de passar por dois processos desgastantes, colocando-o no nível do político corriqueiro.
O primeiro já está em curso: aprovar a emenda no Congresso, metido até a cabeça do mercado persa. Vai ter de pagar, e caro. Aliás, um sinal é a lista do Banco do Brasil.
Segundo -e muito pior-, vai ocorrer no ano da disputa, caso a reeleição seja aprovada. A opinião pública vai estranhar a mistura do candidato com o presidente, suspeitando de promiscuidade.
Ainda não estamos acostumados ao que ocorre aqui nos EUA, onde o presidente faz campanha com dinheiro público; a percepção no Brasil vai ser de bandalheira.
Imagine como será montado o caixa de campanha, com as doações empresariais, trazendo todos os tipos de insinuações, exploradas em horários eleitoral.
A eleição para a Prefeitura de São Paulo não transmitiu sinais apaziguadores. Pelo contrário, o governo federal agiu mal, patrocinou baixarias, misturou interesses públicos com privados e, para finalizar, levou uma surra. O responsável pelas baixarias (Sérgio Motta) continua ministro e com força.
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Fernando Henrique está colocando em risco uma imagem valiosa para a democracia; o político honesto e eficiente, rara combinação. Vale a pena correr esse risco?
As pessoas advertem, assustadas, que, sem ele, a estabilidade estaria ameaçada ou, no seu lugar, viria Paulo Maluf, com sua habitual truculência; um de seus primeiros gestos seria desmontar a política de direitos humanos. Existem aí equívocos, manipulações e ilusões.
Primeiro: a estabilidade é uma prioridade nacional, não é projeto de uma pessoa ou partido. Quem cutucá-la corre o risco de cometer suicídio.
Segundo: Celso Pitta ainda nem começou e vai ter de se esforçar para não manchar seu padrinho, caso não explique suas nebulosas declarações de renda. Quando Orestes Quércia elegeu Fleury, era apontado com gênio e candidato imbatível; simplesmente sumiu do cenário político.
Terceiro: se o presidente acabar bem o mandato, com inflação baixa, crescimento e elenco de conquistas sociais, torna-se o grande eleitor. Ao recusar a reeleição, ele estaria com o prestígio ainda mais fortalecido, envolvido na mística da abnegação.
Seu candidato tende a ser fortíssimo, tem imensas chances de vencer e dar continuidade à sua administração. Seu candidato corre o risco, claro, da derrota. Mas ele, Fernando Henrique, não está livre de uma surra, caso saia candidato.
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Até do ponto de vista pessoal seria melhor para ele ir para a casa em 1998. Mesmo que vencesse, sua nova administração não teria tanto impacto. Os avanços sociais demoram gerações, e, com o tempo, ninguém mais vai se orgulhar da inflação baixa. Ou seja, ele vai entrar numa fase de desgaste.
Caso negasse a reeleição, perderia alguns anos de corte e Palácio do Planalto, que vitaminam sua vaidade. Ganharia, em troca, mais páginas generosas na história. Afinal, o único presidente que desprezou a Presidência foi movido pelo misto de ambição e desequilíbrio emocional. Não por ser ético.
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PS - Se é para ter reeleição, o plebiscito é um mal menor, admito. Afinal, reduz o desgaste da barganha.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail: gdimen@aol.com

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