São Paulo, terça-feira, 31 de dezembro de 1996
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O grande equívoco

SILVANO RAIA

Os erros comuns são óbvios e de efeito geralmente limitado. Já no grande equívoco, propostas legítimas são apresentadas de forma a mascarar uma finalidade injusta, criando uma peça de difícil identificação e, por isso, extremamente perigosa.
Esse é o caso do documento denominado "Consenso Estadual de Transplantes". Ao apresentar alternativas para aumento da captação de doadores, a proposta apresenta um perfil legítimo e até atraente. Entretanto, ao sugerir critérios viciosos de distribuição de 50% dos órgãos, surge a face perversa da proposta.
A perversidade consiste em não oferecer a qualquer paciente possibilidades idênticas de obter um órgão para transplante. O respeito a essa equidade deve orientar obrigatoriamente um sistema civilizado de distribuição de órgãos.
Somos favoráveis e apoiamos fortemente todas as iniciativas destinadas a aumentar a captação de doadores. Opomo-nos a qualquer forma de distribuição de órgãos por equipes ou por hospitais.
Há anos defendemos abertamente a distribuição para pacientes por lista única e não por equipes ou hospitais. Só essa lista pode dar à sociedade a confiança na política de transplantes que a classe médica adota.
O doador potencial de órgãos é geralmente atendido pelo SUS, vítima de traumatismo craniano ou derrame cerebral que evolui para morte encefálica. Em geral, é pessoa humilde.
Esse paciente crítico passa por uma longa trajetória, desde o acidente que determinou o óbito até o transplante. Essa trajetória pode ser dividida em quatro etapas: atendimento médico inicial; morte e notificação; captação e transplante dos órgãos.
Na cidade de São Paulo, apenas 22% dos doadores notificados à Secretaria Estadual da Saúde ultrapassam todas essas etapas e são aproveitados, índice que, efetivamente, deve ser melhorado. Na França, esse índice é de 32%.
Para desfazer o grande equívoco, devem-se desvincular os benefícios do aperfeiçoamento do atendimento básico e da captação de qualquer critério que inclua preferências na distribuição de órgãos. Essas preferências, além de socialmente injustas, são ilegais e inconstitucionais.

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