São Paulo, sexta-feira, 2 de fevereiro de 1996
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O desemprego e o frango

JOSÉ SARNEY

Há uma grande retórica nacional contra o desemprego depois que as pesquisas mostraram que ele é a grande preocupação do povo brasileiro. Todos atacam o desemprego e, muitas vezes, mais do que o faz o próprio desempregado. Por outros motivos, bem verdade.
Há um lado perverso nas políticas de ajustamento e nas concepções em que elas se baseiam, que são as da competitividade, base da economia de mercado. Palavras, pode-se negar; não se pode negar são os fatos.
A tese é que a hora é de competir, vender mais barato e em maior quantidade. Então, surgem as demissões, os enxugamentos, e entra-se no terreno do desemprego estrutural, tema mundial.
No Brasil, a coisa se agrava porque, além da própria dinâmica do mercado, temos de conter o consumo e sua esperada consequência, que é uma recessão latente, cuja ponta aparece nos altos índices de desemprego.
Minha opinião é que precisamos humanizar o ajustamento e graduar as medidas, para que os custos sociais deste período não sejam pagos somente pelas classes mais pobres.
Diz-se que isso não existe, porque o consumo de alimentos está crescendo. O argumento maior vem do frango, ave da moda. Alguns fazem até a profecia de que o frango vai ser bandeira política.
Nos Estados Unidos, os símbolos dos partidos são mamíferos. Do Partido Democrata, o burro; do Republicano, o elefante.
Aqui, estamos no reino das aves. Já temos o tucano do PSDB, e surge agora o frango, prato que marca o governo.
Eu mesmo, outro dia, no almoço oferecido ao escritor José Saramago no Itamaraty, ao ser cobrada a minha fidelidade ao governo pelo deputado Franco Montoro, na frente do presidente Fernando Henrique, respondi:
"Você não viu, Montoro, comi o peito de frango até o fim e você ainda duvida de mim?"
Das aves na política uma que sempre surgia era o peru, em reação de protesto. O deputado Paes de Andrade, por exemplo, na véspera de sua eleição para presidente do PMDB, reagiu diante de algumas ameaças que lhe chegavam aos ouvidos:
"Não sou peru para morrer na véspera."
Ao Plano Cruzado liga-se o boi gordo, comida de candidatos. Ao final, eu paguei a conta. Como a gente se arrepende das coisas e quanta pena tenho dos bois que eu e o Funaro tivemos de laçar!...
O barão de Itararé cunhou a frase: "Pobre quando come galinha, um dos dois está doente..." Hoje, o frango não é mais comida de doente, é comida política, e o deputado Márcio Fortes já proclamou: "O frango é nosso!".
A carne de porco nunca esteve muito em moda, apenas um breve aumento de consumo no período Collor.
Mas o cruel mesmo é que para o desempregado, esteja o frango custando R$ 1 o quilo, é uma aspiração impossível: seu salário é zero. Assim, o frango passa de um prato político para evidenciar um fato amargo: o frango custar tão pouco e milhões de brasileiros não poderem comê-lo!
Zagalo que se cuide nessa onda e recomende aos seus goleiros:
"Nada de frango!"

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