São Paulo, domingo, 4 de fevereiro de 1996
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Escola branca da África do Sul é obrigada a aceitar alunos negros

The Independent
De Londres

ROBERT BLOCK

O governo da Província do Norte, na África do Sul, deu um prazo para uma escola primária da cidade rural de Potgietersrus abrir suas portas para três crianças negras de seis anos de idade, que há mais de uma semana vinham sendo impedidas de assistir às aulas.
Na quarta-feira passada, as crianças viram seu acesso à escola bloqueado por 200 pais e mães brancos gritando ameaças na língua africâner.
Desde então, esses pais vêm montando guarda constante diante dos portões da escola. Eles negam ser movidos por racismo e afirmam que querem apenas proteger as tradições culturais e religiosas da escola contra crianças que não falam o africâner, que poderiam baixar o nível do ensino na escola.
O governo da Província não acredita na explicação. "As três crianças foram matriculadas pelo próprio diretor da escola", disse o porta-voz principal do governo provincial, Jack Mokobi. "A escola já aceitou estudantes brancos de língua inglesa sem qualquer reclamação. A atual desculpa de proteger a língua e cultura africâneres não passa de cortina de fumaça. O motivo real é racismo."
Se a escola não aceitar alunos de qualquer raça ou religião, o governo da Província do Norte diz que vai obter um mandado judicial para obrigá-la.
Algumas pessoas temem que o confronto resulte em derramamento de sangue e na radicalização da hostilidade entre muitos africânderes e sul-africanos negros.
"Temos feito esforços para impedir que o conflito degenere em violência", disse Daan van der Merwe, porta-voz da direção da escola. Ele afirmou que a escola não recusou as três crianças por serem negras, mas porque faltam vagas. "Já recusamos matrículas de alunos brancos e negros."
O porta-voz disse que a escola pretende combater qualquer mandado judicial que a obrigue a agir contra sua vontade, mas que, se for preciso, admitirá negros.
Mas, segundo ele, só aceitará tantos alunos quantas vagas houver, e muitos pais querem garantias de que os novos alunos irão respeitar "o caráter africâner e cristão da escola".
Depois das eleições multirraciais de abril de 1994, o ensino não-racial foi formalmente introduzido no país, mas algumas escolas, conhecidas como escolas "Modelo C", ainda estão sob controle branco, porque pertencem efetivamente aos pais.
O conflito na escola situada no coração da região africâner, cerca de 190 km ao norte de Pretória, é apenas a mais recente prova de força entre o governo do presidente Mandela e os africânderes direitistas, no conflito sobre o ritmo e forma das transformações no país.
O governo se comprometeu a realizar a integração racial nas instituições antes exclusivamente brancas, e os africânderes se ressentem do que vêem como a perda de seus privilégios.
Na quinta-feira, o presidente Mandela afirmou que os africânderes não têm motivos para temer nada. Seus direitos estão protegidos na Constituição, e não há planos de erradicar ou rebaixar a língua deles.
Segundo Mandela, as escolas situadas em áreas brancas podem continuar ministrando aulas nessa língua, mas, quando necessário, terão de providenciar aulas também em outras línguas.
Mandela acrescentou, porém, que os africânderes precisam tomar cuidado para não permitir que seus esforços de proteger sua língua e cultura sejam interpretados como tentativas de fazer o país retroceder ao passado de dominação branca, tentativas que só teriam repercussões negativas.

Tradução de Clara Allain

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