São Paulo, segunda-feira, 12 de fevereiro de 1996
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Coleção imperial vai viajar aos EUA

JAIME SPITZCOVSKY
DE PEQUIM

Pela primeira vez desde 1961, uma coleção de 400 peças de arte da família imperial chinesa vai abandonar Taiwan, para mergulhar a partir de março numa excursão de 13 meses em museus dos EUA.
Taiwan deixa o acervo sair de seu território preocupada com a fragilidade de algumas peças milenares e com a possibilidade de seu rival, a China comunista, reclamar posse das obras de arte avaliadas em US$ 1 bilhão enquanto elas estiverem nos Estados Unidos.
A coleção da família real assistiu à derrocada do império, à ascensão da república em 1911 e à guerra civil entre comunistas e nacionalistas que terminou em 1949 com a vitória do Partido Comunista. As forças derrotadas, comandadas por Chiang Kaishek, encontraram refúgio na ilha de Taiwan, para onde levaram o acervo da Cidade Proibida, a residência do imperador em Pequim.
As 640 mil peças, entre antiguidades, porcelanas, pinturas e esculturas, carregam um importante valor simbólico. Elas confeririam a seu dono a legitimidade de responsável pela continuação da história chinesa e, portanto, herdeiro natural do poder em Pequim.
Embora os comunistas gostem de se apresentar como um instrumento de ruptura com o passado feudal e capitalista, Taiwan teme que o atual governo de Pequim tente se apropriar das peças enquanto elas percorrerem solo norte-americano.
"Mas obtivemos da Justiça dos Estados Unidos a garantia de que todas as peças voltarão a Taiwan", declarou Chang Piteh, vice-diretor do Museu do Palácio Imperial, detentor do acervo.
Taiwan e EUA negociaram por três anos a realização da turnê e chegaram a um acordo apenas em dezembro de 94. A parte chinesa concordou em dividir com o Metropolitan Museum of Art, de Nova York, os US$ 6,2 milhões necessários para custear a iniciativa.
As exigências de Taiwan não se resumiam a impedir uma ofensiva comunista. Elas incluíam garantias de segurança para impedir danos a peças produzidas há cerca de mil anos. "É preciso ter certeza de que nada vai sair errado", comenta Chang Pit-teh. "Qualquer estrago será imperdoável do ponto de vista histórico."
O Museu do Palácio elegeu 423 antiguidades, pinturas e peças de caligrafia chinesa para compor a exposição batizada de "Esplendores da China Imperial", mas a seleção provocou protestos. A capital Taipé testemunhou em janeiro, durante duas semanas, manifestações organizadas por artistas contrários ao envio de obras consideradas "frágeis". Eles propunham a entrega de réplicas no lugar de originais.
Em 25 de janeiro, Richard Wang, secretário-geral do Museu do Palácio, anunciou um acordo com os museus norte-americanos que prevê a retirada de 23 peças da turnê, por serem consideradas "muito frágeis" para enfrentar uma viagem ao exterior. A lista contém porcelanas, pinturas de paisagens e flores, além de peças de caligrafia chinesa.
Os cálculos da diplomacia pesaram mais do que os riscos de se enviar parte significativa do acervo imperial para uma longa viagem de 13 meses. "A exposição vai permitir à República da China (Taiwan) usar cultura para expandir suas relações internacionais", sentenciou um comunicado do Museu do Palácio.
Na tentativa de forçar a reunificação, a China comunista procura impor isolamento diplomático a Taiwan. Apenas 31 países reconhecem a "ilha rebelde", apesar dos esforços de Pequim para que Taiwan mantenha apenas laços não-oficiais com o mundo exterior, ou seja, vínculos econômicos e culturais.
A exigência da China fez, por exemplo, com que os Estados Unidos reconhecessem o governo de Pequim em 1979, para a partir de então cultivar apenas laços não-oficiais com Taiwan.
O Museu do Palácio estuda possibilidade de enviar parte de seu acervo a outros países que já manifestaram interesse em organizar uma excursão, como a França. Chang Pi-teh explica a estratégia: "Queremos fazer do Museu do Palácio um museu mundial, que seu acervo não seja apreciado apenas por famílias reais, como no passado, ou pelo povo de Taiwan, como atualmente."
Na excursão norte-americana, a primeira escala recai sobre Nova York, com abertura a 12 de março. No dia 20 de junho as jóias do império chinês abrem exposição no Instituto de Arte de Chicago, de onde partem para o Museu de Arte Asiática de São Francisco. Essa fase começa a 14 de outubro e termina a 27 de janeiro de 1997 com a abertura de exibição na Galeria Nacional de Arte em Washington.
Em 1992, os EUA acolheram uma mostra de peças da coleção imperial. Foi um pequeno ensaio para a turnê de 1996, trinta e cinco anos depois da última vez que parte significativa do acervo saiu de Taiwan.

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