São Paulo, segunda-feira, 12 de fevereiro de 1996
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Michael e Madonna rompem barreiras

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA FOLHA

Madonna e Michael Jackson, os megastars da aldeia global em visita à América Latina, extrapolam o cenário musical e se tornam assunto político no Brasil e na Argentina.
Os maiores ídolos do pop mundial da atualidade viajam até o sul do Equador em busca da autenticidade local. E desencadeiam uma interessante disputa pelo controle das representações nacionais.
Os grandes frutos da indústria cultural não se dobram diante das dificuldades sul-americanas. Dobram proibições e curiosamente tornam-se paladinos da liberdade de expressão. Com apoio local.
O Olodum saúda e comemora uma honra dupla: aparecer em um clipe de Michael Jackson, dirigido por Spike Lee. Salvador recebe os artistas negros de braços abertos. Apesar dos protestos governamentais, o morro de Dona Marta também. Os moradores orgulhosos se preparam para garantir a gravação de "They Don't Care About Us".
O chiado impotente dos governantes da cidade maravilhosa diante da acertada escolha de cenário, sugerem a dificuldade de se ocultar chagas embaraçosas em um mundo com poucas fronteiras.
Madonna gerou protestos de peronistas apavorados com a perspectiva de verem sua Evita encarnada no cinema pela performer irreverente, conhecida por sua apologia da sensualidade e do prazer.
O presidente da República se solidarizou com um protesto tradicionalista vindo da sociedade. Entrincheirado no palácio oficial, procura resgatar algum arbítrio sobre um dos maiores ícones da nação. E proíbe o uso da Casa Rosada nas filmagens.
Ao circular pela capital argentina no figurino do filme, vestida de Evita, Madonna procura incorporar informações, apoios e cores locais. Bem comportada em tailleurs sóbrios, demonstra que pode ser discreta.
Mas Madonna inevitavelmente traz à tona as ambiguidades da vida de Evita. O sofrimento da morte da primeira dama argentina fez com que a imagem da mãe da pátria se sobrepusesse às desconfianças que sempre pairaram sobre o seu passado.
Mas suspeitas de prostituição ameaçam agora vir à tona. A questão é como conciliar as figuras de mãe e puta quando se trata de representar a nação.
É uma pena que a cobertura dos incidentes em torno de Madonna e de Michael Jackson tenha se limitado a dar publicidade às restrições oficiais. Ficamos a imaginar qual a intenção do filme.
Não é difícil visualizar a primeira dama argentina transformada em ícone contemporâneo de mulher que, como apregoa Madonna, "não aceita migalhas". Uma Evita que não vê contradição entre prazer, sensualidade e poder.
Pouco sabemos também sobre o roteiro do clipe de Michael Jackson, ou sobre a participação do Olodum. Cerca de 200 percussionistas foram contratados para dançar. Spike Lee espera que o som dos músicos baianos também seja ouvido.
A diluição das fronteiras nacionais levou consigo também as barreiras entre a cultura e a política. Certamente há muito o que pensar nesses novos amálgamas de arte, identidade, raça e política.

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