São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 1996
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A mão-de-obra custa pouco no Brasil

DEMIAN FIOCCA

Como se viu em tabela publicada pela Folha no penúltimo domingo, o custo adicional de um trabalhador para a empresa é de 46% sobre o salário mensal (ou de 49%, se o abono de férias for considerado gasto em dinheiro, em vez de "tempo não-trabalhado").
Desse custo, as taxas e contribuições somam 26% e os salários indiretos, incluindo o FGTS, alcançam mais 20% (ou 23%, com o abono de férias).
As famosas porcentagens de 100% referem-se à comparação do gasto da empresa não com o salário, mas com a parte do salário equivalente às horas trabalhadas.
Ainda que os cálculos de 100% não sirvam para a discutir a redução de encargos (pois incluem, majoritariamente, benefícios recebidos em dinheiro pelo trabalhador e direitos), eles servem para estimar o custo da hora trabalhada.
Para comparar o custo da mão-de-obra em vários países, não se pode considerar apenas o salário mensal. É preciso computar descanso semanal, férias etc., para que diferentes direitos sejam reduzidos a um denominador comum.
Como se observa nas tabelas nesta página, temos que, já considerando todos os direitos e encargos sobre a hora trabalhada, ou seja, os 100%, o custo da mão-de-obra no Brasil é baixo; em verdade, muito baixo.
Trata-se de algo previsível. Afinal, o Brasil é o país com a pior distribuição de renda do planeta, segundo o Banco Mundial. Seria surpreendente, isto sim, se os ganhos e os direitos do assalariado fossem altos.
O custo da hora industrial (vide tabela 1) resulta, fundamentalmente, das forças de mercado e do embate sindical e político. No Brasil, a demanda de trabalho industrial é pequena em relação à quantidade de trabalhadores.
Ademais, só a partir da redemocratização os assalariados puderam reorganizar-se e fazer demandas políticas de modo a aumentar seu poder de barganha.
Comparando pelo salário mínimo legal (vide tabela 2), a mão-de-obra no Brasil também custa muito pouco.
Se não incidisse nenhuma taxa ou contribuição sobre a folha, se as empresas deixassem de pagar os salários indiretos (como o 13º etc.) e ainda descontassem do salário o domingo e a tarde de sábado, feriados, férias, auxílio-doença e aviso prévio, o custo da hora trabalhada seria de R$ 0,46. Com todos os direitos e encargos, a hora custa R$ 0,91, ou US$ 0,93.
Na Argentina, de acordo com o mesmo critério, o custo mínimo da hora, incluídos todos os direitos e encargos, é de US$ 1,48. Sobre esse valor, considerado muito baixo, tem havido protestos.
Como o real e o peso argentino estão sobrevalorizados, o poder de compra desses salários em dólar é ainda menor do que parece, pois aluguéis, serviços e outros itens do custo de vida que não sofrem a concorrência dos importados estão desproporcionalmente caros, mesmo para os padrões internacionais.
Nos EUA, o salário mínimo já é por hora, o que dispensa o cálculo do período trabalhado. O mínimo nacional pago ao assalariado é de US$ 4,25 por hora, sobre os quais incidem encargos de 7,65%.
Desse modo, o custo mínimo da hora para uma empresa nos EUA é de US$ 4,58. E esse valor mínimo não está entre os mais altos das nações desenvolvidas.
Essas comparações deixam claro que a redução do chamado "custo Brasil" não deve ocorrer pela diminuição dos rendimentos do assalariado ou das contribuições para a seguridade social, sob pena de agravar uma distribuição de renda já excessivamente desigual e de desamparar os já pouco assistidos.
É por meio de investimentos públicos em educação, saúde e infra-estrutura que o país poderá elevar seu padrão de produção.
Ainda que, atualmente, várias empresas estejam com margens menores -e parte delas encontre-se mesmo em dificuldade- devido à concorrência externa e à violenta política de juros altos e contenção do crédito, existe no Brasil um desequilíbrio histórico entre lucros e salários que ainda está por ser corrigido.
É desejável que a contribuição das empresas para a Previdência deixe de ser cobrada sobre a folha de salários. Isso estimularia a contratação. Mas seria um retrocesso social se os pagamentos à seguridade fossem meramente reduzidos.
Deve-se transferir a arrecadação para outra fonte (faturamento, ativos, IR). Afinal, a arrecadação insuficiente da Previdência é um dos grandes dramas nacionais. Cerca de 12 milhões de aposentados recebem R$ 100,00 por mês.

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de ANDRÉ LAHÓZ

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