São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 1996
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Tempo de contribuição é a morte

ANTONIO NETO

Será muito difícil para o governo federal obter a aprovação aos dez pontos constantes desse acordo encalacrado sobre a reforma da Previdência Social que os ministros tentam, em vão, exibir como prova de consenso da nação.
A polêmica mostrou que o governo não tem o apoio do Congresso, muito menos das centrais sindicais.
Que fique bem claro: a CGT (central) não ajudou a elaborar esse acordo, não o subscreveu nem tampouco o subscreverá, não por ciúmes ou falta de discussão nas bases. Para nós, manter a aposentadoria por tempo de serviço é uma questão de princípios, e deles não abrimos mão.
Dos dez pontos, apenas um é irrefutável: o óbvio, aquele que exige a utilização dos recursos financeiros da seguridade exclusivamente para a manutenção da própria seguridade.
De resto, esse acordo joga para as calendas gregas tudo o que interessa ao trabalhador e tenta implantar de imediato o que interessa ao governo e ao seu projeto neoliberal.
Exemplos? Basta ver o item em que é mencionada a criação de um mecanismo de gestão quadripartite, além da criação de novos mecanismos de combate às fraudes e sonegação, com acesso dos sindicatos aos registros contábeis das empresas e implementação do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).
Não se propõe a efetivação disso tudo, mas apenas "conversações com vistas à criação (...)". E esse não é o único caso.
No item sete do documento, fala-se em criação de um único sistema de Previdência Social, com o qual a CGT até concordaria se, de novo, não estivesse aí a brincadeirinha: "(...) no prazo máximo de cinco anos, deverá ser discutida a criação (...)"
Quem, afinal, vai discutir? Fernando Henrique estará aqui para discutir? Eu estarei? Vicentinho? Medeiros?
Eu sempre aprendi que o sindicalista negocia para melhorar as condições do trabalhador. Agora estou vendo que também existem aqueles que negociam para piorar essas condições.
Nossa Constituição já garante direitos ao trabalhador. O documento que o governo propõe exige que o trabalhador abra mão desses direitos.
E muitos sindicalistas colocam-se na posição de salvar alguma coisa. Mas salvar o quê, se esses direitos já constam da Constituição? Mais exemplos?
A aposentadoria especial a todos, note bem, a todos os profissionais do magistério está na Constituição. Por que restringir o benefício a professores de pré-escola, primeiro e segundo graus?
Da mesma forma a aposentadoria especial para os trabalhadores que exerçam atividades penosas, perigosas ou insalubres, a qual é admitida pelos ministros, "desde que efetivamente" expostos ao risco ou agente nocivo, segundo as genéricas normas da OIT, que possuem o dúbio poder de abranger e excluir, exatamente pela sua generalização.
Aos trabalhadores rurais -que hoje, para efeito de aposentadoria, têm assegurada a contagem recíproca de tempo de contribuição na administração pública, privada, rural e urbana- também se pede que abram mão de seus direitos.
Pela proposta do governo, a contagem de tempo da atividade rural do cidadão que deixou o campo só será computada para a aposentadoria urbana exclusivamente de valor mínimo.
O cidadão poderá transformar-se em valoroso executivo ou operário qualificado na cidade. Seu tempo no campo será computado apenas para a aposentadoria mínima.
O acinte está no passa-moleque inserido no documento. Ignorando sua derrota no Congresso, o governo tenta trazer de volta a discussão rejeitada pelos parlamentares sobre a contribuição de inativo e pensionista.
Quanto ao teto dos benefícios da Previdência, no limite de dez vezes o seu piso, e, acima disso, a opção pela proteção da previdência complementar, pública ou privada, existem dois problemas.
O primeiro nos remete à defesa de princípios. Não queremos o neoliberalismo no país; aposentadoria privada nada mais é que abertura de portas à privatização, um dos elementos neoliberais.
O segundo problema é que, ao propor reajuste do teto com base em índices e critérios definidos futuramente em lei, nos lembramos da participação nos lucros, que consta da Constituição desde 46.
Se o presidente Itamar Franco não tivesse editado medida provisória, a participação estaria aguardando regulamentação, convenientemente adormecida até hoje.
É muito triste constatar que as calendas gregas nunca saem de cena quando os protagonistas são governo e trabalhador.

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