São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 1996
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A carteira digital do futuro

BILL GATES

Um "PC carteira" de alta qualidade será capaz de identificar o lugar onde você estiver
Acho que em menos de cinco anos haverá um grande mercado para "PCs carteira"
Perder uma carteira ou tê-la roubada nunca é um prazer. É um aborrecimento, uma chatice.
Mas, com a chegada do "wallet PC", ou "PC carteira" -que, segundo minha previsão, vai se popularizar no início da próxima década-, a perda da carteira pelo menos não significará a perda de tudo que você guarda nela.
Um "PC carteira" será um computador de bolso, com tela colorida do tamanho de uma foto normal (aproximadamente 10 X 15 cm), que substituirá muitos dos artigos essenciais que você carrega hoje em dia -dinheiro, chaves, documentos, cartões de crédito, passagens-, além de outros, que fornecem informações e comunicações móveis -relógio, jornais ou outros materiais de leitura, agenda, caderninho de endereços e telefones, fotos, calculadora, celular e pager.
Se você perder seu "PC carteira", terá de desembolsar mais ou menos o preço de uma boa máquina fotográfica -pelo menos algumas centenas de dólares- para comprar outro, portanto você não vai querer perder o seu.
Por outro lado, será fácil e barato substituir todo o conteúdo da carteira, desde dinheiro até fotos, porque ela só vai conter informações digitalizadas que podem ser encontradas, replicadas ou recuperadas de outro lugar.
Quando falo no "PC carteira", algumas pessoas expressam preocupação quanto à segurança. Outras perguntam se alguém já está fabricando o aparelho.
A situação atual é a seguinte. O termo "PC carteira" se refere a um ideal, do mesmo modo que "superinfovia".
Hoje, já existem aparelhinhos pequenos, que podem ser carregados na mão, que realizam algumas das funções do "PC carteira" ideal -assim como a Internet hoje, que já deixa entrever muitas das características da futura superinfovia.
Os computadores de bolso já existentes podem evoluir para transformar-se em "PCs carteira" totais, exatamente como é provável que a Internet evolua até tornar-se a superinfovia ideal.
Uma vez atingido o ideal, o que é que o "PC carteira" fará por você, além de condensar em forma digital todos os pontos acima mencionados?
"Ele vai exibir mensagens e horários e também permitir que você leia ou envie correspondência eletrônica e fax, informe-se sobre a meteorologia e as ações da Bolsa, e jogue dos jogos mais simples aos mais sofisticados", eu escrevi em meu livro "A Estrada do Futuro".
"Numa reunião, você poderá tomar notas, verificar compromissos, xeretar informações, caso esteja entediado, ou escolher uma entre as milhares de foto de seus filhos."
Um "PC carteira" de alta qualidade será capaz de identificar o lugar onde você estiver, em qualquer parte do mundo, graças aos sinais enviados pelos satélites do Sistema Global de Posicionamento.
Com essas coordenadas, seu "PC carteira" poderá fornecer orientações (que podem até ser faladas) sobre como ir para qualquer lugar, seja sua própria casa ou o banheiro público mais próximo, em uma cidade estranha.
Qualquer carteira precisa conter dinheiro, e o "PC carteira" não constitui exceção. Mas o dinheiro será guardado e trocado sob forma digital, não de papel-moeda.
"Seu micro de bolso poderá ser conectado ao computador da loja, permitindo a transferência de dinheiro sem nenhuma troca física no caixa", escrevi em meu livro. "O dinheiro digital será usado também em transações interpessoais. Se o seu filho precisar de dinheiro, você poderá, digitalmente, passar algum do seu micro de bolso para o dele."
Você talvez esteja pensando: "Isso tudo será muito conveniente, mas se alguém roubar meu 'PC carteira', o que vai impedi-lo de roubar minhas informações e meu dinheiro também?"
Os "PCs carteira" serão protegidos por uma senha e talvez exijam o reconhecimento de uma impressão digital ou uma voz para que funcionem. Sem isso, um "PC carteira" desse tipo se negaria a soltar dinheiro ou informações.
E se você for assaltado? Um leitor escreveu: "Fico preocupado com a possibilidade de pessoas serem assaltadas na rua e serem forçadas a esvaziar sua conta bancária ou mesmo entregar US$ 200 a um ladrão que as forçasse a revelar seu código de segurança".
Isso poderia acontecer. Já acontece hoje em dia.
O papel-moeda é um instrumento anônimo ao portador. Uma pessoa pode roubar papel-moeda e gastá-lo livremente, desde que as cédulas não estejam marcadas ou seus números de série não tenham sido anotados.
O dinheiro digital pode ser mais seguro. Ele não precisa ser anônimo. Se alguém fizer uma transferência de dinheiro digital não-anônimo, pode-se saber para onde foi transferido. Qualquer transferência poderia ser revertida -e a polícia teria uma grande pista para a solução de crimes.
O que me preocupa mais é a questão da privacidade, porque a transferência de informações nem sempre pode ser revertida.
Alguém interessado em ler as mensagens que você recebeu pelo correio eletrônico poderia apontar uma arma e dizer: "Passe seu 'PC carteira' e sua senha".
Essa pessoa teria acesso às suas informações até o momento em que você invalidasse o "PC carteira", notificando as autoridades, que transmitiriam um sinal para invalidar o "PC carteira".
Essa possibilidade de invalidar um "PC carteira" significa que você estará em melhor situação do que hoje, quando qualquer pessoa pode invadir sua privacidade, roubando sua pasta ou seu laptop.
A Microsoft está desenvolvendo software para uma geração de aparelhos de bolso que são precursores do "PC carteira" ideal.
Prevemos que diversos fabricantes de hardware lançarão aparelhos de bolso que poderão utilizar esses programas.
Outras empresas de software desenvolverão aplicativos para uso nesses aparelhos.
Um ano atrás já tínhamos em mãos um protótipo que nós e nossos parceiros do setor de hardware resolvemos não introduzir no mercado.
Concluímos que o hardware ainda estava caro demais, e o software não tinha potência suficiente.
As pessoas não compram computadores com potência insuficiente. É espantosa a rapidez com que os computadores baseados no chip 486 se tornaram obsoletos.
Há poucos anos, eram os mais modernos entre os modernos, mas hoje estão sendo tirados do mercado porque ninguém quer comprá-los, mesmo por preços tão baixos quanto US$ 800.
Isso nos serviu de lição. Assim, adiamos nossos planos para colocar no mercado nossos programas para aparelhos de bolso.
Ainda levará cerca de um ano para que possamos apresentar um produto que possua o equilíbrio necessário: alto nível de desempenho, preço razoável, baixo consumo de energia e tamanho pequeno.
Enquanto isso, outras empresas vêm lançando versões iniciais de computadores que podem ser levados na mão. Algumas delas são muito interessantes.
Até agora, o mercado para esses aparelhos tem sido pequeno, mas isso não quer dizer que não exista um mercado enorme para um aparelho que seja apenas um pouquinho melhor.
Muitas empresas estão entrando nessa onda, e acho que em menos de cinco anos haverá um grande mercado para "PCs carteira" ou seus precursores.
Não sei exatamente qual será o limiar de preço e características que fará o mercado explodir, mas estou certo de que esse limiar será atravessado.

Tradução de CLARA ALLAIN.

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