São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 1996
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Lei de Summers

ANTONIO DELFIM NETO

Antonio Delfim Netto
Para compreender melhor a situação econômica do país talvez seja conveniente partir de uma identidade contábil. Com que recursos podem ser financiados o investimento privado e público?
Com os recursos advindos da poupança interna, da poupança do governo e dos recursos obtidos no exterior, ou seja, com nossa própria poupança e com poupança realizada em outros países e que é aplicada no Brasil porque lhe oferecemos uma taxa de retorno adequada. Podemos, portanto escrever uma identidade:
Essa identidade é resultante das definições e da forma de registro da contabilidade nacional. Sendo assim, ela não pode ser confundida com uma "teoria" ou com uma relação de causalidade, pois uma variável não "determina" as demais.
Todas são estabelecidas simultânea e endogenamente na economia, mas no final obedecem, sempre, àquela identidade, que continua valendo se dividirmos todos os seus membros pelo PIB, o produto interno bruto.
A poupança do governo é o seu superávit corrente e a poupança externa é, por definição, igual ao déficit (com o sinal trocado) da conta corrente no balanço de pagamentos.
Suponhamos que o país deseja crescer 6% ao ano no longo prazo. E que para atingir esse objetivo ele tenha de investir, a cada ano, 25% do PIB.
Vamos considerar sustentável, a longo prazo, a absorção de um nível de poupança externa (déficit em conta corrente) de 1,5% do PIB, obtido pelo câmbio real correto e financiado adequadamente.
A identidade mostra que a porcentagem de poupança interna com relação ao PIB somado a 1,5% deve ser necessariamente igual a 25% do PIB.
Logo, a poupança privada mais a poupança do governo deve ser igual a 23,5% do PIB. Se o setor privado poupa 20% do PIB, só há uma forma de se atender à identidade: é o governo poupar (isto é, produzir um superávit corrente) 3,5% do PIB.
A identidade tem a vantagem de mostrar que existem vínculos na economia que ligam a taxa de crescimento do PIB (determinada pelo volume dos investimentos privados e públicos) com o déficit ou superávit corrente do governo e com a absorção de poupança externa, que é o déficit em conta corrente.
Por exemplo, para manter um déficit em conta corrente de 1,5% do PIB, com este crescendo a 6% ao ano, provavelmente as exportações têm de crescer a 12% ou 14% ao ano. Ora, isso não pode ser feito sem mudança nos preços relativos dos produtos transacionáveis com relação aos não-transacionáveis (taxa de câmbio real).
Muito provavelmente, portanto, não se pode resolver o problema apenas "manipulando" a poupança interna e/ou as contas do governo, como pretendem os "nouveaux économistes", mesmo supondo que eles soubessem como fazê-lo.
Outro ponto interessante é o seguinte. A identidade mostra que quando o investimento privado é igual à poupança privada, o déficit operacional do governo é financiado pelo déficit em conta corrente, mais ou menos o que está acontecendo no Brasil.
Essa é uma política extremamente arriscada, porque viola a 2ª lei de Summers, que afirma que: "Políticas insustentáveis não podem ser sustentadas"!

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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