São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 1996
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MJ E FHC

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Na manhã de segunda-feira li duas notícias aparentemente disparatadas, mas encontrei um nexo entre elas. A primeira, em manchete de primeira página, revelava que o cantor Michael Jackson recebera segurança dos traficantes do morro Dona Marta. A segunda, lá pela página 4 ou 6, que FHC desautorizava a campanha popular pela sua reeleição, preferindo trabalhar "no âmbito do Congresso".
A produção do clipe de Michael Jackson foi absolutamente neoliberal: tinha um objetivo em mente, que era terminar o trabalho e ganhar muito dinheiro com ele -o que é justo. Não podia arriscar. Se confiasse na segurança fornecida pelo Estado, correria risco. O mais racional era garantir paz durante as quatro horas de gravação. Para isso, como dizem os cronistas políticos, o interlocutor preferencial tinha de ser mesmo os chefões do tráfico. Ganhou e levou.
A reeleição é agora a prioridade máxima não apenas do próprio FHC, mas principalmente do grupo que o cerca. Nem o presidente nem os seus amigos mais chegados podem perder tempo e gastar munição com o interlocutor que não interessa, ou seja, a opinião pública. O negócio é do âmbito legislativo, logo, esse interlocutor só pode ser o Congresso.
Não adianta ter as massas a seu favor se o Congresso negar a reeleição. A menos que FHC queira dar uma de Fujimori ou de ditador. Tampouco adianta botar o depois na frente do antes. Para ganhar a opinião pública sempre haverá vexame pelo caminho: comer buchada de bode, por exemplo, ou prometer coisas como saúde, escola, segurança -que são abstrações, categorias mentais na cabeça do candidato.
Com o Congresso o sacrifício é ameno. Em vez da buchada de bode come-se codorna recheada com patê na casa do líder do PFL. E as promessas nem chegam a ser promessas. Bastam insinuações de que fulano ficaria bem no ministério, que sicrano tem o perfil para embaixador em Portugal -e o clipe vai rolando.
O tema de Michael Jackson foi uma queixa: eles não se preocupam com a gente. O tema do outro clipe podia ser o mesmo às avessas: a gente não se preocupa com eles.

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