São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 1996
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'Jenipapo' chega ao país após sucesso em festivais

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Jenipapo", primeiro longa-metragem de Monique Gardenberg, 37, aporta finalmente no Brasil depois de ter sido bem-recebido no Sundance Film Festival (EUA) e nos festivais de Toronto (Canadá) e Roterdã (Holanda).
O filme teve estréia de gala anteontem em Salvador e terá pré-estréias na próxima semana em São Paulo (terça) e no Rio (quarta), às quais deverão estar presentes o músico Philip Glass, autor da trilha sonora, e o ator Henry Czerny.
"Jenipapo" é uma co-produção Brasil-EUA, falada em inglês e com elenco multinacional. Os protagonistas são o canadense Henry Czerny e o belga Patrick Bauchau. No elenco brasileiro, Marília Pêra, Julia Lemmertz e Miguel Lunardi, entre outros.
O pano de fundo do filme não poderia ser mais atual: o conflito de terras no interior do Brasil. Às vésperas da votação de uma lei anti-reforma agrária no Congresso, um padre americano (Bauchau) que sempre foi porta-voz dos sem-terra mantém-se misteriosamente calado e isolado. Um jornalista (Czerny), também americano, mas trabalhando para um jornal brasileiro, decide entrevistá-lo a qualquer custo, o que o leva a mentir, ferir a ética profissional, seduzir mulheres por interesse etc.
O grande tema dramático do filme é a aventura moral desse jornalista, o conflito entre seu interesse pessoal e sua consciência ética.
No exterior, até agora, público e crítica se impressionaram mais com o aspecto político do filme. Monique Gardenberg chegou a ser chamada de "versão feminina de Costa-Gavras".
Mas a diretora, que falou à Folha por telefone, de Salvador, torce para que no Brasil as pessoas prestem mais atenção ao drama pessoal -e universal- dos personagens. "Eu vejo o filme como uma 'paixão de Cristo', em que o jornalista é Judas e o padre é Cristo, mas em que também às vezes ocorre o contrário".
Monique escreveu a história de "Jenipapo" há seis anos, quando fazia um curso de cinema em Nova York. Mostrou o projeto a Philip Glass, que a conhecera anos antes durante um concerto no Brasil (ela é promotora de eventos, entre eles o Free Jazz).
Entusiasmado com a idéia, o músico apresentou Monique ao produtor Alan Poul, seu amigo, que encampou o projeto. O parceiro brasileiro foi o produtor carioca Flavio Tambelini.
Depois de anos de luta para conseguir o dinheiro, as filmagens foram rápidas -quatro semanas na Bahia, três no Rio- e baratas -o filme todo custou US$ 1,3 milhão, sem contar a finalização nos EUA e o salário (não revelado) de Patrick Bauchau, que correram por conta da produtora de Alan Poul.
Monique credita à colaboração da irmã, Sylvia (produtora executiva), e à sua própria experiência em comandar equipes a façanha de fazer funcionar harmoniosamente, no caos brasileiro, a "torre de babel" que era a produção do filme.
"O problema maior foi o dinheiro curto", diz a cineasta, que nasceu em Salvador e passou a infância em São Gonçalo dos Cam pos, no Recôncavo Baiano, onde se passa a maior parte do filme.
A produção quase parou por falta de recursos. Caetano Veloso, Paula Lavigne, o videomaker Tadeu Jungle e Philip Glass, entre outros amigos famosos de Monique, emprestaram dinheiro do próprio bolso e o filme se fez.
"Baiano se ajuda muito, é pior que judeu", brinca Monique. "E eu sou as duas coisas juntas. Pode me chamar de 'Berimbaum'."
Além dos amigos, também o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) é credor de Monique: emprestou R$ 413 mil que começam a ser cobrados em junho. O restante dos recursos veio de empresas brasileiras privadas e estatais.
Alan Poul, que veio à Bahia para a estréia e já voltou para os EUA, disse à Folha, por telefone, de Salvador, que pretende continuar trabalhando com Monique. Eles negociam os direitos de um romance de Paul Auster, cujo título nenhum dos dois quis revelar.
Além desse, Monique tem outro projeto: um filme ambientado num hotel cinco estrelas numa grande cidade brasileira que acolhe um campeonato internacional de tênis e um congresso ecológico sem importância: "Quero mostrar o contraste entre essa situação artificial e a miséria brasileira".

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