São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

De armas e cestas

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Trocar armas por cestas básicas é dessas típicas idéias de autoridades que, sob pressão, não têm tempo para pensar e tratam, então, de oferecer alguma coisa, qualquer coisa, a uma opinião pública inquieta.
Não vai funcionar por "ene" razões, uma das quais basta: o cidadão que tem uma arma pode, usando-a criminosamente, obter uma cesta básica por dia ou até mais do que isso. Usando-a como autodefesa pode (ou pensa que pode) impedir que lhe tomem uma cesta básica a cada dia.
Qual a vantagem, portanto, em trocar esse suposto seguro por uma única cesta?
O problema tem uma dimensão infinitamente superior ao simplismo desse tipo de propostas, como, de resto, fica evidente pela simples leitura do material publicado ontem por esta Folha.
A rigor, cada um dos entrevistados aponta uma ou duas causas da crescente violência urbana. Da "cultura da violência", mencionada pelo governador Mário Covas, ao desemprego/má distribuição de renda e tráfico de drogas, citados por dom Paulo Evaristo Arns, o cardeal-arcebispo de São Paulo.
É provável que cada um deles tenha um pouco (ou até muito) de razão. Há, de fato, problemas estruturais e problemas conjunturais. Nem os primeiros nem os segundos são de rápida ou fácil solução. Mas, em todo o caso, em vez de fazer a inócua proposta de trocar armas por cestas básicas, o secretário de Segurança Pública, José Afonso da Silva, poderia começar atacando aquilo que está de fato ao seu alcance, que é o desaparelhamento da polícia.
Barbara Gancia, na coluna que encimava parte do farto material da Folha, forneceu um retrato acabado do que é a polícia paulista (retrato que, suspeito, vale para o resto do país).
Não tem bala para o revólver, gasolina para as viaturas (como os policiais gostam de se referir aos veículos) e até o telefone é cortado por falta de pagamento.
A proposta do secretário, além de inviável por falta de atrativo para os portadores de armas, corre o risco de esbarrar numa dificuldade tragicômica: a polícia não ter meios materiais de se deslocar para a casa de alguém que se disponha a trocar sua arma por um prato de comida. Seria um fiasco para César Maia nenhum botar defeito.

Texto Anterior: A libertação no futebol
Próximo Texto: Um Fisco moderno
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.