São Paulo, segunda-feira, 26 de fevereiro de 1996
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Terra Solidária é 'pré-reforma', diz prefeito

DA AGÊNCIA FOLHA, EM IGUARAÇU

Ex-seminarista claretiano, com barbas e cabelos longos, o prefeito João Batista Beltrame (PTB) prefere ser chamado de "Joba", apelido pelo qual é conhecido.
Ele chegou a Iguaraçu em 1989, depois de ter lecionado em colégios tradicionais, cursinhos do tipo pré-vestibular e universidades em Curitiba e Maringá.
Eleito prefeito em 1992, Beltrame se define "como um socialista com os pés no chão, que leva pau da direita e da esquerda".
Segundo o prefeito, seu projeto Terra Solidária não é compreendido pelos trabalhadores sem terra -"pensam que coloco panos quentes na luta pela terra"- e nem pela direita -"que teme a coletivização do campo".
Ele define o Terra Solidária como "uma pré-reforma agrária, onde o bóia-fria retoma sua identidade de colono, restabelece a relação terra-produção e se habilita a ser cidadão".
A Prefeitura de Iguaraçu não tem nem mesmo um carro para fazer serviços burocráticos. Segundo ele, "a receita é muito pequena para luxos e, se o prefeito precisa viajar, a comunidade tem de emprestar um carro ou ele viaja de ônibus". Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista:
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Agência Folha - Como o senhor idealizou o projeto Terra Solidária?
João Batista Beltrame - Eu assumi um município pobre, onde a maioria é bóia-fria. Não dava para deixá-los naquela vida sem perspectivas. Era preciso recuperar sua dignidade de cidadãos.
Por outro lado, os fazendeiros possuem terras onde é preciso reformar as pastagens. O Terra Solidária surgiu dessa união de necessidades.
Agência Folha - Foi fácil implantar o projeto?
Beltrame - Sinceramente, não. Você imagina um cara como eu (faz gestos: barbudo, cabeludo), chegando a um proprietário rural e pedindo terra para o bóia-fria.
A primeira reação foi do tipo: "Esse comunista é um visionário, um louco" (risos). Mas eu ataquei logo o maior latifundiário (Francisco Fraccaroli, morador em São Paulo). Insisti nele porque sabia que a hora em que o maior fazendeiro aderisse ao Terra Solidária, o projeto estaria em ação.
Agência Folha - O sr. foi criticado pela esquerda?
Beltrame - Olha, em parte sim. Quando assumi, o Rainha (José Rainha Júnior) veio até Iguaraçu para conversar comigo. Eu já estava reunindo os bóias-frias para o meu projeto. Ele criticou minha idéia, mas foi compreensivo, disse que se eu conseguisse já era alguma coisa.
A esquerda também pensa que estou colocando panos quentes na questão agrária. Não é isso. Chamo meu projeto de uma pré-reforma agrária. Ele serve para mostrar que, em se tornando cidadão, o bóia-fria é capaz de produzir e crescer. Ele está se qualificando para ser beneficiário de uma reforma agrária séria.
Agência Folha - O Terra Solidária soluciona os problemas do município?
Beltrame - Não, mas ameniza. Se o município tivesse 150 alqueires (363 hectares), eu colocaria 200 famílias no projeto. Seria a redenção econômica do município.
Outro sonho meu -sou muito sonhador- é que a Constituição federal determinasse que toda propriedade acima de um módulo, que seria regional, teria de destinar 5% para os tais fins sociais de que se fala quando se discute terra produtiva ou improdutiva. Essa terra seria para os bóias-frias produzirem. Isso eliminaria o inchaço nas grandes cidades e geraria renda para os pequenos municípios.

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